Título VIII - Da Ordem Social

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Capítulo III
Da Educação, da Cultura e do Desporto
Seção II
Da Cultura
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade,
à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira,
nos quais se incluem:46
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1o O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá
o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento
e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
§ 2o Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação
governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela
necessitem.
§ 3o A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e
valores culturais.
§ 4o Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§ 5o Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências
históricas dos antigos quilombos.
§ 6o É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de
fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o
financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos
no pagamento de:
46 Emenda Constitucional no
42/2003.
68 Código Civil Brasileiro
I – despesas com pessoal e encargos sociais;
II – serviço da dívida;
III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos
ou ações apoiados.
Seção III
Do Desporto
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais,
como direito de cada um, observados:
I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a
sua organização e funcionamento;
II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto
educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional;
IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação
nacional.
§ 1o O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições
desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2o A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração
do processo, para proferir decisão final.
§ 3o O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
..............................................................................................................
Capítulo VI
Do Meio Ambiente
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder
público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1o Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
Código Civil Brasileiro 69
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam
os animais a crueldade.
§ 2o Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.
§ 3o As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente
da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4o A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á,
na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente,
inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5o São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações
discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6o As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida
em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
Capítulo VII
Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1o O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2o O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3o Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e
a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4o Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5o Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente
pelo homem e pela mulher.
§ 6o O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação
judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação
de fato por mais de dois anos.
70 Código Civil Brasileiro
§ 7o Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade
responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8o O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1o O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do
adolescente, admitida a participação de entidades não-governamentais e obedecendo
aos seguintes preceitos:
I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência
materno-infantil;
II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os
portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social
do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação
de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.
§ 2o A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios
de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir
acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
§ 3o O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o
disposto no art. 7o
, XXXIII;
II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III – garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;
IV – garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional,
igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo
dispuser a legislação tutelar específica;
V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer
medida privativa da liberdade;
VI – estímulo do poder público, através de assistência jurídica, incentivos
fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de
criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII – programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao
adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.
Código Civil Brasileiro 71
§ 4o A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança
e do adolescente.
§ 5o A adoção será assistida pelo poder público, na forma da lei, que estabelecerá
casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.
§ 6o Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação.
§ 7o No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração
o disposto no art. 204.
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às
normas da legislação especial.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os
filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas
idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e
bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1o Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente
em seus lares.
§ 2o Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes
coletivos urbanos.
Capítulo VIII
Dos Índios
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
bens.
§ 1o São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis
à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a
sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2o As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos
lagos nelas existentes.
§ 3o O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos,
a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados
com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficandolhes
assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
72 Código Civil Brasileiro
§ 4o As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos
sobre elas, imprescritíveis.
§ 5o É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum
do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população,
ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional,
garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6o São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham
por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a
exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado
relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar,
não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União,
salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
§ 7o Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3o
e 4o
.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para
ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério
Público em todos os atos do processo.
Ato Internacional
Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos

Código Civil Brasileiro 75
Ato Internacional
Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos
(Publicado no DO de 7/7/92)47
Preâmbulo
Os Estados Partes do presente Pacto,
Considerando que, em conformidade com os princípios proclamados na Carta das
Nações Unidas, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo,
Reconhecendo que esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana,
Reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, o ideal do ser humano livre, no gozo das liberdades civis e políticas e liberto
do temor e da miséria, não pode ser realizado a menos que se criem as condições
que permitam a cada um gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus
direitos econômicos, sociais e culturais,
Considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de
promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do homem,
Compreendo que o indivíduo, por ter deveres para com seus semelhantes e para com
a coletividade a que pertence, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância
dos direitos reconhecidos no presente Pacto,
Acordam o seguinte:
PARTE I
Artigo 1
1. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam
livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento
econômico, social e cultural.
2. Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de
suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes
47 Pág. 8.716 a 8.720. Aprovado pelo DEC no
592/92 e promulgado pelo DLG no
226/91, DO
13/12/91, pág. 28.838 – II.
76 Código Civil Brasileiro
da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo, e
do Direito Internacional. Em caso algum, poderá um povo ser privado de seus meios
de subsistência.
3. Os Estados Partes do presente Pacto, inclusive aqueles que tenham a responsabilidade
de administrar territórios não-autônomos e territórios sob tutela, deverão promover
o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito, em conformidade
com as disposições da Carta das Nações Unidas.
PARTE II
ARTIGO 2
1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar e a garantir a todos
os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição
os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional
ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra condição.
2. Na ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos
os direitos reconhecidos no presente Pacto, os Estados Partes do presente Pacto
comprometem-se a tomar as providências necessárias com vistas a adotá-las, levando
em consideração seus respectivos procedimentos constitucionais e as disposições do
presente Pacto.
3. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a:
a) Garantir que toda pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente Pacto
tenham sido violados, possa dispor de um recurso efetivo, mesmo que a violência
tenha sido perpetrada por pessoas que agiam no exercício de funções oficiais;
b) Garantir que toda pessoa que interpuser tal recurso terá seu direito determinado pela
competente autoridade judicial, administrativa ou legislativa ou por qualquer outra
autoridade competente prevista no ordenamento jurídico do Estado em questão; e a
desenvolver as possibilidades de recurso judicial;
c) Garantir o cumprimento, pelas autoridades competentes, de qualquer decisão que
julgar procedente tal recurso.
ARTIGO 3
Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres
igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos enunciados no presente Pacto.
ARTIGO 4
1. Quando situações excepcionais ameacem a existência da nação e sejam proclamadas
oficialmente, os Estados Partes do presente Pacto podem adotar, na estrita medida
Código Civil Brasileiro 77
exigida pela situação, medidas que suspendam as obrigações decorrentes do presente
Pacto, desde que tais medidas não sejam incompatíveis com as demais obrigações que
lhes sejam impostas pelo Direito Internacional e não acarretem discriminação alguma
apenas por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social.
2. A disposição precedente não autoriza qualquer suspensão dos artigos 6, 7 e 8 (parágrafos
1 e 2), 11, 15, 16 e 18.
3. Os Estados Partes do presente Pacto que fizerem uso do direito de suspensão devem
comunicar imediatamente aos outros Estados Partes do presente Pacto, por intermédio
do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, as disposições que tenham
suspenso, bem como os motivos de tal suspensão. Os Estados Partes deverão fazer uma
nova comunicação, igualmente por intermédio do Secretário-Geral da Organização
das Nações Unidas, na data em que terminar tal suspensão.
ARTIGO 5
1. Nenhuma disposição do presente pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer
a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer
atividades ou praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou
liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhes limitações mais amplas do
que aquelas nele previstas.
2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais
reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte do presente Pacto em virtude de
leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto
não os reconheça ou os reconheça em menor grau.
PARTE III
ARTIGO 6
1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela
lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.
2. Nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida, está poderá ser imposta
apenas nos casos de crimes mais graves, em conformidade com legislação vigente na
época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições
do presente Pacto, nem com a Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime
de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena apenas em decorrência de uma sentença
transitada em julgado e proferida por tribunal competente.
3. Quando a privação da vida constituir crime de genocídio, entende-se que nenhuma
disposição do presente artigo autorizará qualquer Estado Parte do presente Pacto a
eximir-se, de modo algum, do cumprimento de qualquer das obrigações que tenham
assumido em virtude das disposições da Convenção sobre a Prevenção e a Punição
do Crime de Genocídio.
78 Código Civil Brasileiro
4. Qualquer condenado à morte terá o direito de pedir indulto ou comutação da pena. A
anistia, o indulto ou a comutação da pena poderão ser concedidos em todos os casos.
5. A pena de morte não deverá ser imposta em casos de crimes cometidos por pessoas
menores de 18 anos, nem aplicada a mulheres em estado de gravidez.
6. Não se poderá invocar disposição alguma do presente artigo para retardar ou impedir
a abolição da pena de morte por um Estado Parte do presente Pacto.
ARTIGO 7
Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos
ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre
consentimento, a experiências médicas ou científicas.
ARTIGO 8
1. Ninguém poderá ser submetido à escravidão. A escravidão e o tráfico de escravos,
em todas as suas formas, ficam proibidos.
2. Ninguém poderá ser submetido à servidão.
3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios;
b) A alínea a) do presente parágrafo não poderá ser interpretada no sentido de proibir,
nos países em que certos crimes sejam punidos com prisão e trabalhos forçados, o cumprimento
de uma pena de trabalhos forçados, imposta por um tribunal competente;
c) Para os efeitos do presente parágrafo, não serão considerados “trabalhos forçados
ou obrigatórios”:
i) qualquer trabalho ou serviço, não previsto na alínea b), normalmente exigido de um
indivíduo que tenha sido encarcerado em cumprimento de decisão judicial ou que,
tendo sido objeto de tal decisão, ache-se em liberdade condicional;
ii) qualquer serviço de caráter militar e, nos países em que se admite a isenção por
motivo de consciência, qualquer serviço nacional que a lei venha a exigir daqueles
que se oponham ao serviço militar por motivo de consciência;
iii) qualquer serviço exigido em casos de emergência ou de calamidade que ameacem
o bem-estar da comunidade;
iv) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.
ARTIGO 9
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser
preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém pode ser privado de sua liberdade,
Código Civil Brasileiro 79
salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela
estabelecidos.
2. Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá ser informada das razões da prisão e notificada,
sem demora, das acusações formuladas contra ela.
3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser
conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei
a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser
posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não
deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias
que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos
do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.
4. Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento
terá o direito de recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legalidade de seu
encarceramento e ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal.
5. Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegal terá direito à reparação.
ARTIGO 10
1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito
à dignidade inerente à pessoa humana.
2. a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais,
das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua
condição de pessoa não-condenada.
b) As pessoas processadas, jovens, deverão ser separadas das adultas e julgadas o
mais rápido possível.
3. O regime penitenciário consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma
e a reabilitação moral dos prisioneiros. Os delinqüentes juvenis deverão ser separados
dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica.
ARTIGO 11
Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.
ARTIGO 12
1. Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado terá o direito de
nele livremente circular e escolher sua residência.
2. Toda pessoa terá o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive de seu
próprio país.
80 Código Civil Brasileiro
3. Os direitos supracitados não poderão constituir objeto de restrições, a menos que
estejam previstas em lei e no intuito de proteger a segurança nacional e a ordem, a
saúde ou a moral públicas, bem como os direitos e liberdades das demais pessoas, e
que sejam compatíveis com os outros direitos reconhecidos no presente Pacto.
4. Ninguém poderá ser privado arbitrariamente do direito de entrar em seu próprio país.
ARTIGO 13
Um estrangeiro que se ache legalmente no território de um Estado Parte do presente
Pacto só poderá dele ser expulso em decorrência de decisão adotada em conformidade
com a lei e, a menos que razões imperativas de segurança nacional a isso se
oponham, terá a possibilidade de expor as razões que militem contra sua expulsão
e de ter seu caso reexaminado pelas autoridades competentes, ou por uma ou várias
pessoas especialmente designadas pelas referidas autoridades, ou de fazer-se representar
com esse objetivo.
ARTIGO 14
1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá
o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação
de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações
de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou de totalidade
de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança
nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das
Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da
justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os
interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil
deverá tornar-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto,
ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou à tutela de menores.
2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.
3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, a, pelo menos,
as seguintes garantias:
a) De ser informado, sem demora, numa língua que compreenda e de forma minuciosa,
da natureza e dos motivos da acusação contra ela formulada;
b) De dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a
comunicar-se com defensor de sua escolha;
c) De ser julgado sem dilações indevidas;
d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermédio
de defensor de sua escolha; de ser informado, caso não tenha defensor, do direito que
Código Civil Brasileiro 81
lhe assiste de tê-lo e, sempre que o interesse da justiça assim exija, de ter um defensor
designado ex officio gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-lo;
e) De interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e de obter o comparecimento
e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de
que dispõem as de acusação;
f) De ser assistida gratuitamente por um intérprete, caso não compreenda ou não fale
a língua empregada durante o julgamento;
g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.
4. O processo aplicável a jovens que não sejam maiores nos termos da legislação
penal levará em conta a idade dos mesmos e a importância de promover sua reintegração
social.
5. Toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença
condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei.
6. Se uma sentença condenatória passada em julgado for posteriormente anulada ou se
um indulto for concedido, pela ocorrência ou descoberta de fatos novos que provem
cabalmente a existência de erro judicial, a pessoa que sofreu a pena decorrente dessa
condenação deverá ser indenizada, de acordo com a lei, a menos que fique provado
que se lhe pode imputar, total ou parcialmente, a não-revelação dos fatos desconhecidos
em tempo útil.
7. Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido
ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os
procedimentos penais de cada país.
ARTIGO 15
1. Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que não constituam delito de
acordo com o direito nacional ou internacional, no momento em que foram cometidos.
Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da
ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de
pena mais leve, o delinqüente deverá dela beneficiar-se.
2. Nenhuma disposição do presente Pacto impedirá o julgamento ou a condenação de
qualquer indivíduo por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos,
eram considerados delituosos de acordo com os princípios gerais de direito reconhecidos
pela comunidade das nações.
ARTIGO 16
Toda pessoa terá direito, em qualquer lugar, ao reconhecimento de sua personalidade
jurídica.
82 Código Civil Brasileiro
ARTIGO 17
1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada,
em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais
às suas honra e reputação.
2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.
ARTIGO 18
1. Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.
Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de
sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente,
tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos,
de práticas e do ensino.
2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua
liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha.
3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas a limitações
previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem,
a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.
4. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos
pais – e, quando for o caso, dos tutores legais – de assegurar a educação religiosa e
moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções.
ARTIGO 19
1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.
2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade
de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente
de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma
impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.
3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2o
do presente artigo implicará deveres
e responsabilidades especiais. Conseqüentemente, poderá estar sujeito a certas
restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam
necessárias para:
a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.
ARTIGO 20
1. Será proibida por lei qualquer propaganda em favor da guerra.
2. Será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso que
constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência.
Código Civil Brasileiro 83
ARTIGO 21
O direito de reunião pacífica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito
apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade
democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas,
ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das
demais pessoas.
ARTIGO 22
1. Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de
constituir sindicatos e de a eles filiar-se, para a proteção de seus interesses.
2. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se
façam necessária, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional,
da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou
os direitos e liberdades das demais pessoas. O presente artigo não impedirá que se
submeta a restrições legais o exercício desse direito por membros das forças armadas
e da polícia.
3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que Estados Partes da
Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade
sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que
restrinjam – ou aplicar a lei de maneira a restringir – as garantias previstas na referida
Convenção.
ARTIGO 23
1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e terá o direito de ser
protegida pela sociedade e pelo Estado.
2. Será reconhecido o direito do homem e da mulher de, em idade núbil, contrair
casamento e constituir família.
3. Casamento algum será celebrado sem o consentimento livre e pleno dos futuros
esposos.
4. Os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar as medidas apropriadas para
assegurar a igualdade de direitos e responsabilidades dos esposos quanto ao casamento,
durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução. Em caso de dissolução, deverão
adotar-se disposições que assegurem a proteção necessária para os filhos.
ARTIGO 24
1. Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de cor, sexo,
língua, religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às
medidas de proteção que a sua condição de menor requerer por parte de sua família,
da sociedade e do Estado.
84 Código Civil Brasileiro
2. Toda criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá
receber um nome.
3. Toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade.
ARTIGO 25
Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação
mencionadas no artigo 2o
e sem restrições infundadas:
a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes
livremente escolhidos;
b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio
universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade
dos eleitores;
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
ARTIGO 26
Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a
igual proteção da lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação
e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação
por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer
outra situação.
ARTIGO 27
Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, as pessoas pertencentes
a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente
com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar
sua própria religião e usar sua própria língua.
PARTE IV
ARTIGO 28
1. Constituir-se-á um Comitê de Direitos Humanos (doravante denominado o “Comitê”
no presente Pacto). O Comitê será composto de dezoito membros e desempenhará as
funções descritas adiante.
2. O Comitê será integrado por nacionais dos Estados Partes do presente Pacto, os
quais deverão ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em
matéria de direitos humanos, levando-se em consideração a utilidade da participação
de algumas pessoas com experiência jurídica.
3. Os membros do Comitê serão eleitos e exercerão suas funções a título pessoal.
Código Civil Brasileiro 85
ARTIGO 29
1. Os membros do Comitê serão eleitos em votação secreta dentre uma lista de pessoas
que preencham os requisitos previstos no artigo 28 e indicadas, com esse objetivo,
pelos Estados Partes no presente Pacto.
2. Cada Estado Parte no presente Pacto poderá indicar duas pessoas. Essas pessoas
deverão ser nacionais do Estado que as indicou.
3. A mesma pessoa poderá ser indicada mais de uma vez.
ARTIGO 30
1. A primeira eleição realizar-se-á no máximo seis meses após a data de entrada em
vigor do presente Pacto.
2. Ao menos quatro meses antes da data de cada eleição do Comitê, e desde que
não seja uma eleição para preencher uma vaga declarada nos termos do artigo 34,
o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas convidará, por escrito, os
Estados Partes do presente Protocolo a indicar, no prazo de três meses, os candidatos
a membro do Comitê.
3. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas organizará uma lista por
ordem alfabética de todos os candidatos assim designados, mencionando os Estados
Partes que os tiverem indicado, e a comunicará aos Estados Partes do presente Pacto,
no máximo um mês antes da data de cada eleição.
4. Os membros do Comitê serão eleitos em reuniões dos Estados Partes convocadas
pelo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas na sede da Organização.
Nessas reuniões, em que o quorum será estabelecido por dois terços dos Estados Partes
do presente Pacto, serão eleitos membros do Comitê os candidatos que obtiverem o
maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados
Partes presentes e votantes.
ARTIGO 31
1. O Comitê não poderá ter mais de um nacional de um mesmo Estado.
2. Nas eleições do Comitê, levar-se-ão em consideração uma distribuição geográfica
eqüitativa e uma representação das diversas formas de civilização, bem como dos
principais sistemas jurídicos.
ARTIGO 32
1. Os membros do Comitê serão eleitos para um mandato de quatro anos. Poderão,
caso suas candidaturas sejam apresentadas novamente, ser reeleitos. Entretanto, o
mandato de nove dos membros eleitos na primeira eleição expirará ao final de dois
anos; imediatamente após a primeira eleição, o presidente da reunião a que se refere
o parágrafo 4o
do artigo 30 indicará, por sorteio, os nomes desses nove membros.
86 Código Civil Brasileiro
2. Ao expirar o mandato dos membros, as eleições se realizarão de acordo com o
disposto nos artigos precedentes desta Parte do presente Pacto.
ARTIGO 33
1. Se, na opinião unânime dos demais membros, um membro do Comitê deixar de
desempenhar suas funções por motivos distintos de uma ausência temporária, o Presidente
comunicará tal fato ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas,
que declarará vago o lugar que o referido membro ocupava.
2. Em caso de morte ou renúncia de um membro do Comitê, o Presidente comunicará
imediatamente tal fato ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, que
declarará vago o lugar desde a data da morte ou daquela em que a renúncia passe a
produzir efeitos.
ARTIGO 34
1. Quando uma vaga for declarada nos termos do artigo 33 e o mandato do membro a
ser substituído não expirar no prazo de seis meses a contar da data em que tenha sido
declarada a vaga, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas comunicará
tal fato aos Estados Partes do presente Pacto, que poderão, no prazo de dois meses,
indicar candidatos, em conformidade com o artigo 29, para preencher a vaga.
2. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas organizará uma lista por
ordem alfabética dos candidatos assim designados e a comunicará aos Estados Partes
do presente Pacto. A eleição destinada a preencher tal vaga será realizada nos termos
das disposições pertinentes desta parte do presente Pacto.
3. Qualquer membro do Comitê eleito para preencher uma vaga em conformidade
com o artigo 33 fará parte do Comitê durante o restante do mandato do membro que
deixar vago o lugar do Comitê, nos termos do referido artigo.
ARTIGO 35
Os membros do Comitê receberão, com a aprovação da Assembléia-Geral da Organização
das Nações Unidas, honorários provenientes de recursos da Organização das
Nações Unidas, nas condições fixadas, considerando-se a importância das funções do
Comitê, pela Assembléia-Geral.
ARTIGO 36
O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas colocará à disposição do
Comitê o pessoal e os serviços necessários ao desempenho eficaz das funções que
lhe são atribuídas em virtude do presente Pacto.
ARTIGO 37
1. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas convocará os Membros do
Comitê para a primeira reunião, a realizar-se na sede da Organização.
Código Civil Brasileiro 87
2. Após a primeira reunião, o Comitê deverá reunir-se em todas as ocasiões previstas
em suas regras de procedimento.
3. As reuniões do Comitê serão realizadas normalmente na sede da Organização das
Nações Unidas ou no Escritório das Nações Unidas em Genebra.
ARTIGO 38
Todo Membro do Comitê deverá, antes de iniciar suas funções, assumir, em sessão
pública, o compromisso solene de que desempenhará suas funções imparcial e conscientemente.
ARTIGO 39
1. O Comitê elegerá sua mesa para um período de dois anos. Os membros da mesa
poderão ser eleitos.
2. O próprio Comitê estabelecerá suas regras de procedimento; estas, contudo, deverão
conter, entre outras, as seguintes disposições:
a) O quorum será de doze membros;
b) As decisões do Comitê serão tomadas por maioria de votos dos membros presentes.
ARTIGO 40
1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a submeter relatórios sobre
as medidas por eles adotadas para tornar efetivos os direitos reconhecidos no presente
Pacto e sobre o progresso alcançado no gozo desses direitos:
a) Dentro do prazo de um ano, a contar do início da vigência do presente Pacto nos
Estados Partes interessados;
b) A partir de então, sempre que o Comitê vier a solicitar.
2. Todos os relatórios serão submetidos ao Secretário-Geral da Organização das
Nações Unidas, que os encaminhará, para exame, ao Comitê. Os relatórios deverão
sublinhar, caso existam, os fatores e as dificuldades que prejudiquem a implementação
do presente Pacto.
3. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas poderá, após consulta ao
Comitê, encaminhar às agências especializadas interessadas cópias das partes dos
relatórios que digam respeito a sua esfera de competência.
ARTIGO 41
1. Com base no presente Artigo, todo Estado Parte do presente Pacto poderá declarar, a
qualquer momento, que reconhece a competência do Comitê para receber e examinar as
comunicações em que um Estado Parte alegue que outro Estado Parte não vem cumprindo
as obrigações que lhe impõe o presente Pacto. As referidas comunicações só serão
88 Código Civil Brasileiro
recebidas e examinadas nos termos do presente artigo no caso de serem apresentadas
por um Estado Parte que houve feito uma declaração em que reconheça, com relação a si
próprio, a competência do Comitê. O Comitê não receberá comunicação alguma relativa
um Estado Parte que não houver feito uma declaração dessa natureza. As comunicações
recebidas em virtude do presente artigo estarão sujeitas ao procedimento que se segue:
a) Se um Estado Parte do presente Pacto considerar que outro Estado Parte não vem
cumprindo as disposições do presente Pacto poderá, mediante comunicação escrita,
levar a questão ao conhecimento deste Estado Parte. Dentro do prazo de três meses,
a contar da data do recebimento da comunicação, o Estado destinatário fornecerá ao
Estado que enviou a comunicação, explicações ou quaisquer outras declarações por
escrito que esclareçam a questão, as quais deverão fazer referência, até onde seja
possível e pertinente, aos procedimentos nacionais e aos recursos jurídicos adotados,
em trâmite ou disponíveis sobre a questão;
b) Se, dentro do prazo de seis meses, a contar da data do recebimento da comunicação
original pelo Estado destinatário, a questão não estiver dirimida satisfatoriamente
para ambos os Estados Partes interessados, tanto um como o outro terão o direito
de submetê-la ao Comitê, mediante notificação endereçada ao Comitê ou ao outro
Estado interessado;
c) O Comitê tratará de todas as questões que se lhe submetem em virtude do presente
artigo somente após ter-se assegurado de que todos os recursos jurídicos disponíveis
tenham sido utilizados e esgotados, em consonância com os princípios do Direito
Internacional geralmente reconhecidos. Não se aplicará essa regra quando a aplicação
dos mencionados recursos prolongar-se injustificadamente;
d) O Comitê realizará reuniões confidenciais quando estiver examinando as comunicações
previstas no presente artigo;
e) Sem prejuízo das disposições da alínea c), o Comitê colocará seus bons ofícios à
disposição dos Estados Partes interessados no intuito de alcançar uma solução amistosa
para a questão, baseada no respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais
reconhecidos no presente Pacto;
f) Em todas as questões que se lhe submetam em virtude do presente artigo, o Comitê
poderá solicitar aos Estados Partes interessados, a que se faz referência na alínea b),
que lhe forneçam quaisquer informações pertinentes;
g) Os Estados Partes interessados, a que se faz referência na alínea b), terão direito de
fazer-se representar quando as questões forem examinadas no Comitê e de apresentar
suas observações verbalmente e/ou por escrito;
h) O Comitê, dentro dos doze meses seguintes à data de recebimento da notificação
mencionada na alínea b), apresentará relatório em que:
i) se houver sido alcançada uma solução nos termos da alínea e), o Comitê restringirse-á,
em seu relatório, a uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada.
Código Civil Brasileiro 89
ii) se não houver sido alcançada solução alguma nos termos da alínea e), o Comitê,
restringir-se-á, em seu relatório, a uma breve exposição dos fatos; serão anexados ao
relatório o texto das observações escritas e as atas das observações orais apresentadas
pelos Estados Partes interessados.
Para cada questão, o relatório será encaminhado aos Estados Partes interessados.
2. As disposições do presente artigo entrarão em vigor a partir do momento em que
dez Estados Partes do presente Pacto houverem feito as declarações mencionadas no
parágrafo 1o
deste artigo. As referidas declarações serão depositadas pelos Estados
Partes junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, que enviará
cópias das mesmas aos demais Estados Partes. Toda declaração poderá ser retirada,
a qualquer momento, mediante notificação endereçada ao Secretário-Geral. Far-se-á
essa retirada sem prejuízo do exame de quaisquer questões que constituam objeto
de uma comunicação já transmitida nos termos deste artigo; em virtude do presente
artigo, não se receberá qualquer nova comunicação de um Estado Parte uma vez que o
Secretário-Geral tenha recebido a notificação sobre a retirada da declaração, a menos
que o Estado Parte interessado haja feito uma nova declaração.
ARTIGO 42
1. a) Se uma questão submetida ao Comitê, nos termos do artigo 41, não estiver dirimida
satisfatoriamente para os Estados Partes interessados, o Comitê poderá, com o
consentimento prévio dos Estados Partes interessados, constituir uma Comissão ad
hoc (doravante denominada “a Comissão”). A Comissão colocará seus bons ofícios
à disposição dos Estados Partes interessados no intuito de se alcançar uma solução
amistosa para a questão baseada no respeito ao presente Pacto.
b) A Comissão será composta de cinco membros designados com o consentimento
dos Estados Partes interessados. Se os Estados Partes interessados não chegarem a
um acordo a respeito da totalidade ou de parte da composição da Comissão dentro do
prazo de três meses, os membros da Comissão em relação aos quais não se chegou
a um acordo serão eleitos pelo Comitê, entre os seus próprios membros, em votação
secreta e por maioria de dois terços dos membros do Comitê.
2. Os membros da Comissão exercerão suas funções a título pessoal. Não poderão ser
nacionais dos Estados interessados, nem de Estado que não seja Parte do presente Pacto,
nem de um Estado Parte que não tenha feito a declaração prevista no artigo 41.
3. A própria Comissão elegerá seu Presidente e estabelecerá suas regras de procedimento.
4. As reuniões da Comissão serão realizadas normalmente na sede da Organização
das Nações Unidas ou no Escritório das Nações Unidas em Genebra. Entretanto,
poderão realizar-se em qualquer outro lugar apropriado que a Comissão determinar,
após consulta ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas e aos Estados
Partes interessados.
90 Código Civil Brasileiro
5. O secretariado referido no artigo 36 também prestará serviços às comissões designadas
em virtude do presente artigo.
6. As informações obtidas e coligidas pelo Comitê serão colocadas à disposição da
Comissão, a qual poderá solicitar aos Estados Partes interessados que lhe forneçam
qualquer outra informação pertinente.
7. Após haver estudado a questão sob todos os seus aspectos, mas, em qualquer caso, no
prazo de doze meses após dela ter tomado conhecimento, a Comissão apresentará um relatório
ao Presidente do Comitê, que o encaminhará aos Estados Partes interessados:
a) Se a Comissão não puder terminar o exame da questão, restringir-se-á , em seu
relatório, a uma breve exposição sobre o estágio em que se encontra o exame da
questão;
b) Se houver sido alcançado uma solução amistosa para a questão, baseada no respeito
dos direitos humanos reconhecidos no presente Pacto, a Comissão restringir-se-á, em
seu relatório, a uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada;
c) Se não houver sido alcançada solução nos termos da alínea b), a Comissão incluirá
no relatório suas conclusões sobre os fatos relativos à questão debatida entre os Estados
Partes interessados, assim como sua opinião sobre a possibilidade de solução amistosa
para a questão, o relatório incluirá as observações escritas e as atas das observações
orais feitas pelos Estados Partes interessados;
d) Se o relatório da Comissão for apresentado nos termos da alínea c), os Estados
Partes interessados comunicarão, no prazo de três meses a contar da data do recebimento
do relatório, ao Presidente do Comitê se aceitam ou não os termos do relatório
da Comissão.
8. As disposições do presente artigo não prejudicarão as atribuições do Comitê previstas
no artigo 41.
9. Todas as despesas dos membros da Comissão serão repartidas eqüitativamente
entre os Estados Partes interessados, com base em estimativas a serem estabelecidas
pelo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
10. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas poderá, caso seja necessário,
pagar as despesas dos membros da Comissão antes que sejam reembolsadas pelos Estados
Partes interessados, em conformidade com o parágrafo 9o
do presente artigo.
ARTIGO 43
Os membros do Comitê e os membros da Comissão de Conciliação ad hoc que forem
designados nos termos do artigo 42 terão direito às facilidades, privilégios e imunidades
que se concedem aos peritos no desempenho de missões para a Organização
das Nações Unidas, em conformidade com as seções pertinentes da Convenção sobre
Privilégios e Imunidades das Nações Unidas.
Código Civil Brasileiro 91
ARTIGO 44
As disposições relativas à implementação do presente Pacto aplicar-se-ão sem prejuízo
dos procedimentos instituídos em matéria de direitos humanos pelos – ou em virtude
dos mesmos – instrumentos constitutivos e pelas Convenções da Organização das
Nações Unidas e das agências especializadas e não impedirão que os Estados Partes
venham a recorrer a outros procedimentos para a solução de controvérsias e conformidade
com os acordos internacionais gerais ou especiais vigentes entre eles.
ARTIGO 45
O Comitê submeterá à Assembléia-Geral, por intermédio do Conselho Econômico e
Social, um relatório sobre suas atividades.
PARTE V
ARTIGO 46
Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento das disposições
da Carta das Nações Unidas e das constituições das agências especializadas,
as quais definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da Organização
das Nações Unidas e das agências especializadas relativamente às questões tratadas
no presente Pacto.
ARTIGO 47
Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento do direito
inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar plena e livremente suas riquezas
e seus recursos naturais.
PARTE VI
ARTIGO 48
1. O presente Pacto está aberto à assinatura de todos os Estados Membros da Organização
das Nações Unidas ou membros de qualquer de suas agências especializadas, de
todo Estado Parte do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, bem como de qualquer
outro Estado convidado pela Assembléia-Geral a tornar-se Parte do presente Pacto.
2. O presente Pacto está sujeito a ratificação. Os instrumentos de ratificação serão
depositados junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
3. O presente Pacto está aberto à adesão de qualquer dos Estados mencionados no
parágrafo 1o
do presente artigo.
4. Far-se-á adesão mediante depósito do instrumento de adesão junto ao SecretárioGeral
da Organização das Nações Unidas.
5. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas informará todos os Estados
que hajam assinado o presente Pacto ou a ele aderido do depósito de cada instrumento
de ratificação ou adesão.
92 Código Civil Brasileiro
ARTIGO 49
1. O presente Pacto entrará em vigor três meses após a data do depósito, junto ao
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, do trigésimo-quinto instrumento
de ratificação ou adesão.
2. Para os Estados que vierem a ratificar o presente Pacto ou a ele aderir após o
depósito do trigésimo-quinto instrumento de ratificação ou adesão, o presente Pacto
entrará em vigor três meses após a data do depósito, pelo Estado em questão, de seu
instrumento de ratificação ou adesão.
ARTIGO 50
Aplicar-se-ão as disposições do presente Pacto, sem qualquer limitação ou exceção,
a todas as unidades constitutivas dos Estados federativos.
ARTIGO 51
1. Qualquer Estado Parte do presente Pacto poderá propor emendas e depositá-las junto
ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. O Secretário-Geral comunicará
todas as propostas de emenda aos Estados Partes do presente Pacto, pedindo-lhes
que o notifiquem se desejam que se convoque uma conferência dos Estados Partes
destinada a examinar as propostas e submetê-las a votação. Se pelo menos um terço
dos Estados Partes se manifestar a favor da referida convocação, o Secretário-Geral
convocará a conferência sob os auspícios de Organização das Nações Unidas. Qualquer
emenda adotada pela maioria dos Estados partes presentes e votantes na conferência
será submetida à aprovação da Assembléia-Geral das Nações Unidas.
2. Tais emendas entrarão em vigor quando aprovadas pela Assembléia-Geral das
Nações Unidas e aceitas em conformidade com seus respectivos procedimentos constitucionais,
por uma maioria de dois terços dos Estados Partes no presente Pacto.
3. Ao entrarem em vigor, tais emendas serão obrigatórias para os Estados Partes que
as aceitaram, ao passo que os demais Estados Partes permanecem obrigados pelas
disposições do presente Pacto e pelas emendas anteriores por eles aceitas.
ARTIGO 52
Independentemente das notificações previstas no parágrafo 5o
do artigo 48, o Secretário-Geral
das Nações Unidas comunicará a todos os Estados referidos no parágrafo
1o
do referido artigo:
a) as assinaturas, ratificações e adesões recebidas em conformidade com o artigo
48;
b) a data de entrada em vigor do Pacto, nos termos do artigo 49, e a data de entrada
em vigor de quaisquer emendas, nos termos do artigo 51.
Código Civil Brasileiro 93
ARTIGO 53
1. O presente Pacto, cujos textos em chinês, espanhol, francês, inglês e russo são igualmente
autênticos, será depositado nos arquivos da Organização das Nações Unidas.
2. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas encaminhará cópias autênticas
do presente Pacto a todos os Estados mencionados no artigo 48.
Em fé do quê, os abaixo-assinados, devidamente autorizados por seus respectivos
Governos, assinaram o presente Pacto, aberto à assinatura em Nova York, aos 19 dias
do mês de dezembro do ano de mil novecentos e sessenta e seis.

Lei de Introdução
ao Código Civil

Código Civil Brasileiro 97
Decreto-Lei no
4.657
de 4 de setembro de 1942
(Publicado no DO de 4/9/42)48
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo
180 da Constituição49, decreta:
Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País quarenta
e cinco dias depois de oficialmente publicada.
§ 1o Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida,
se inicia três meses depois de oficialmente publicada.
§ 2o A vigência das leis, que os governos estaduais elaborem por autorização do
governo federal, depende da aprovação deste e começa no prazo que a legislação
estadual fixar.
§ 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto,
destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a
correr da nova publicação.
§ 4o As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando
seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a
lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,
não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei
revogadora perdido a vigência.
Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia,
os costumes e os princípios gerais de direito.
Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.
48 Retificado no DO de 8/10/42 e no DO de 17/6/1943.
49 Este preâmbulo e o § 2o
do art. 1o
dizem respeito à Constituição de 1934, vigorante à época
em que este Decreto-Lei foi sancionado.
98 Código Civil Brasileiro
Art. 6o A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito,
o direito adquirido e a coisa julgada.50
§ 1o Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao
tempo em que se efetuou.
§ 2o Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por
ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou
condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3o Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não
caiba recurso.
Art. 7o A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o
começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.51
§ 1o Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto
aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.
§2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas
ou consulares do país de ambos os nubentes.
§ 3o Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio
a lei do primeiro domicílio conjugal.
§ 4o O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem
os nubentes domicílio, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio conjugal.
§ 5o O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa
anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização,
se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados
os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro.
§ 6o O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem
brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de três anos da data da sentença,
salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a
homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para
a eficácia das sentenças estrangeiras no País. O Supremo Tribunal Federal, na forma
de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões
já proferidas em pedido de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de
brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.
§ 7o Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao
outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes
sob sua guarda.
§ 8o Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar
de sua residência ou naquele em que se encontre.
Art. 8o Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á
a lei do país em que estiverem situados.
50 Lei no
3.238/57. 51 Lei no
3.238/57.
Código Civil Brasileiro 99
§ 1o Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos
bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.
§ 2o O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse
se encontre a coisa apenhada.
Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se
constituírem.
§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma
essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto
aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que
residir o proponente.
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era
domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação
dos bens.52
§ 1o A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei
brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente,
sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
§ 2o A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades
e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.
§ 1o Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos
antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo governo brasileiro, ficando sujeitas
à lei brasileira.
§ 2o Os governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza,
que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não
poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou suscetíveis de desapropriação.
§ 3o Os governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários
à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares.
Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado
no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.
§ 1o Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a
imóveis situados no Brasil.
§ 2o A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo
a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade
estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.
52 Lei no
9.047/95.
100 Código Civil Brasileiro
Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele
vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros
provas que a lei brasileira desconheça.
Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca
prova do texto e da vigência.
Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna
os seguintes requisitos:
a) haver sido proferida por juiz competente;
b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;
c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para
a execução no lugar em que foi proferida;
d) estar traduzida por intérprete autorizado;
e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.
Parágrafo único. Não dependem de homologação as sentenças meramente declaratórias
do estado das pessoas.
Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei
estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão
por ela feita a outra lei.
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações
de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a
ordem pública e os bons costumes.
Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares
brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato,
inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou
brasileira nascido no país da sede do Consulado.53
Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e celebrados
pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-lei no
4.657, de 4 de setembro de
1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais.54
Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver sido recusada
pelas autoridades consulares, com fundamento no artigo 18 do mesmo Decreto-lei,
ao interessado é facultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa) dias contados da
data da publicação desta lei.
Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1942; 121o
da Independência e 54o
da República.
Getúlio Vargas – Alexandre Marcondes Filho – Oswaldo Aranha
53 Lei no
3.238/57. 54 Lei no
3.238/57.
Exposição de Motivos do
Novo Código Civil

Código Civil Brasileiro 103
Mensagem no
160
de 10 de junho de 1975
Excelentíssimos Senhores Membros do Congresso Nacional:
Nos termos do artigo 56 da Constituição, tenho a honra de submeter à elevada deliberação
de Vossas Excelências, acompanhado de Exposições de Motivos do Senhor
Ministro de Estado da Justiça e do Supervisor da Comissão Elaboradora e Revisora
do Código Civil, o anexo projeto de lei que institui o Código Civil.
Brasília, em 10 de junho de 1975
Ernesto Geisel
Exposição de Motivos do SENHOR
Ministro DE ESTADO da Justiça
Brasília, em 06 de junho de 1975
Excelentíssimo Senhor Presidente da República:
Tenho a honra de encaminhar a Vossa Excelência o Projeto do Código Civil, cujo anteprojeto
é de autoria dos Professores MIGUEL REALE, na qualidade de Supervisor,
JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, AGOSTINHO DE ARRUDA ALVIM, SYLVIO
MARCONDES, EBERT CHAMOUN, CLÓVIS DO COUTO E SILVA e TORQUATO
CASTRO, que elaboraram, respectivamente, a matéria relativa a Parte Geral, Direito
das Obrigações, Atividade Negocial, Direito das Coisas, Direito de Família e Direito
das Sucessões, tendo o professor MOREIRA ALVES acumulado, durante certo tempo,
as funções de Coordenador da Comissão de Estudos Legislativos.
Como resulta da minuciosa Exposição de Motivos, com a qual o Professor MIGUEL
REALE fundamenta e justifica a obra realizada, obedeceu esta a plano previamente
aprovado por este Ministério, de conformidade com as seguintes diretrizes:
“a) Compreensão do Código Civil como lei básica, mas não global, do Direito
Privado, conservando-se em seu âmbito, por conseguinte, o Direito das Obrigações,
sem distinção entre obrigações civis e mercantis, consoante diretriz já consagrada,
nesse ponto, desde o Anteprojeto do Código de Obrigações de 1941, e reiterada no
Projeto de 1965.
b) Considerar elemento integrante do próprio Código Civil a parte legislativa
concernente às atividades negociais ou empresárias em geral, como desdobramento
natural do Direito das Obrigações, salvo as matérias que reclamam disciplina especial
104 Código Civil Brasileiro
autônoma, tais como as de falência, letra de câmbio, e outras que a pesquisa doutrinária
ou os imperativos da política legislativa assim o exijam.
c) Manter, não obstante as alterações essenciais supra indicadas, a estrutura do
Código ora em vigor, por considerar-se inconveniente, consoante opinião dominante
dos juristas pátrios, a supressão da Parte Geral, tanto do ponto de vista dos valores
dogmáticos, quanto das necessidades práticas, sem prejuízo, é claro, da atualização
de seus dispositivos, para ajustá-los aos imperativos de nossa época, bem como às
novas exigências da Ciência Jurídica.
d) Redistribuir a matéria do Código Civil vigente, de conformidade com os ensinamentos
que atualmente presidem a sistemática civil.
e) Preservar, sempre que possível, a redação da atual Lei Civil, por se não justificar a
mudança de seu texto, a não ser como decorrência de alterações de fundo, ou em virtude
das variações semânticas ocorridas no decorrer de mais de meio século de vigência.
f) Atualizar, todavia, o Código vigente, não só para superar os pressupostos individualistas
que condicionaram a sua elaboração, mas também para dotá-lo de institutos
novos, reclamados pela sociedade atual, nos domínios das atividades empresárias e
nos demais setores da vida privada.
g) Aproveitar, na revisão do Código de 1916, como era de se esperar de trabalho
científico ditado pelos ditames do interesse público, as valiosas contribuições anteriores
em matéria legislativa, tais como os Anteprojetos de Código das Obrigações,
de 1941 e de 1965, este revisto pela douta Comissão constituída pelos ilustres juristas
OROSIMBO NONATO, Presidente, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, RelatorGeral,
SYLVIO MARCONDES, ORLANDO GOMES, THEOPHILO DE AZEVEDO
SANTOS e NEHEMIAS GUEIROS; e o Anteprojeto de Código Civil, de 1963, de
autoria do Prof. ORLANDO GOMES.
h) Dispensar igual atenção aos estudos e críticas que tais proposições suscitaram,
a fim de ter-se um quadro, o mais completo possível, das idéias dominantes no País,
sobre o assunto.
i) Não dar guarida no Código senão aos institutos e soluções normativas já dotados
de certa sedimentação e estabilidade, deixando para a legislação aditiva a disciplina de
questões ainda objeto de fortes dúvidas e contrastes, em virtude de mutações sociais
em curso, ou na dependência de mais claras colocações doutrinárias, ou ainda quando
fossem previsíveis alterações sucessivas para adaptações da lei à experiência social
e econômica.
j) Eliminar do Código Civil quaisquer regras de ordem processual, a não ser
quando intimamente ligadas ao direito material, de tal modo que a supressão delas
lhe pudesse mutilar o significado.
l) Incluir na sistemática do Código, com as revisões indispensáveis, a matéria
contida em leis especiais promulgadas após 1916.
Código Civil Brasileiro 105
m) Acolher os modelos jurídicos validamente elaborados pela jurisprudência construtiva
de nossos tribunais, mas fixar normas para superar certas situações conflitivas,
que de longa data comprometem a unidade e a coerência de nossa vida jurídica.
n) Dispensa de formalidades excessivamente onerosas, como, por exemplo, a notificação
judicial, onde e quando possível obter-se o mesmo resultado com economia
natural de meios, ou dispensar-se a escritura pública, se bastante documento particular
devidamente registrado.
o) Consultar entidades públicas e privadas, representativas dos diversos círculos
de atividades e interesses objeto da disciplina normativa, a fim de que o Anteprojeto,
além de se apoiar nos entendimentos legislativos, doutrinários e jurisprudenciais,
tanto nacionais como alienígenas, refletisse os anseios legítimos da experiência social
brasileira, em função de nossas peculiares circunstâncias.
p) Dar ao Anteprojeto antes um sentido operacional do que conceitual, procurando
configurar os modelos jurídicos à luz do princípio da realizabilidade, em função das
forças sociais operantes no País, para atuarem como instrumentos de paz social e de
desenvolvimento.”
Observo, ainda, que o Projeto muito embora discipline as sociedades empresárias
no livro referente à Atividade Negocial, não abrange as sociedades anônimas, pois
estas, de conformidade com a determinação de Vossa excelência, serão objeto de lei
especial.
Constituída em maio de 1969, a “Comissão Revisora e Elaboradora do Código
Civil”, após vários meses de pesquisas e sucessivas reuniões, entregou ao então
Ministro da Justiça, Prof. ALFREDO BUZAID, o primeiro texto do Anteprojeto,
solicitando que fosse publicado a fim de serem recebidas sugestões e emendas de
todos os interessados.
Sobre esse primeiro anteprojeto, publicado em 7 de agosto de 1972, manifestaramse
não somente as principais corporações jurídicas do país, tribunais, instituições e
universidades, mas também entidades representativas das diversas categorias profissionais,
com a publicação de livros e artigos em jornais e revistas especializadas.
Conferências e simpósios foram, outrossim, realizados, em vários Estados, sobre a
reforma programada, sendo as respectivas conclusões objeto da mais cuidadosa análise
por parte da Comissão.
Valendo-se de todo esse precioso material, a Comissão voltou a reunir-se por diversas
vezes, fiel ao seu propósito de elaborar um Anteprojeto correspondente às reais aspirações
da sociedade brasileira, graças à manifestação dos diferentes círculos jurídicos,
e de quantos se interessaram pelo aperfeiçoamento de nossa legislação civil.
De tais estudos resultou novo Anteprojeto, publicado em 18 de junho de 1974,
abrangendo grande número de emendas e alterações que a Comissão houve por bem
acolher, assim como outras de sua iniciativa, decorrentes de investigação própria.
106 Código Civil Brasileiro
Em virtude dessa segunda publicação, novas sugestões e emendas foram analisadas
pela Comissão, daí resultando o texto final, que, no dizer de seus autores, transcende
as pessoas dos que o elaboraram, tão fundamental e fecunda foi a troca de idéias e
experiências com os mais distintos setores da comunidade brasileira.
A exposição feita evidencia, Senhor Presidente, que o projeto ora submetido à
alta apreciação de Vossa excelência é fruto de longos e dedicados estudos, refletindo
a opinião dominante nos meios jurídicos nacionais, além de se basear na experiência
das categorias sociais a que os preceitos se destinam. Trata-se, em suma, de diploma
legal marcado pela compreensão direta de nossos problemas sócio-econômicos, e não
de sistematização de dispositivos ditada por meras preferências teóricas.
É de longa data, Senhor Presidente, que vem sendo reclamada a atualização do
Código Civil de 1916, elaborado numa época em que o Brasil mal amanhecia para o
surto de desenvolvimento que hoje o caracteriza, e quando ainda prevaleciam, na tela
do Direito, princípios individualistas que não mais se harmonizam com as aspirações
do mundo contemporâneo, não apenas no domínio das atividades empresariais, mas
também no que se refere à organização da família, ao uso da propriedade ou ao direito
das sucessões.
O Projeto, além de conter novos institutos e modelos jurídicos, exigidos pelo atual
desenvolvimento do País, caracteriza-se pelo equilíbrio de suas opções, visto ter-se
tido sempre em mira a conciliação dos valores da tradição com os imperativos do
progresso, os interesses dos particulares com as exigências do bem comum.
De outro lado, promulgado que foi o novo Código de Processo Civil, torna-se ainda
mais imperiosa a atualização da lei substantiva, cuja inadequação aos problemas atuais
vem sendo apontada como uma das causas mais relevantes da crise da Justiça.
Com o Projeto do Código Civil, a Política legislativa, traçada pelo Governo de
Vossa Excelência, atinge o seu ponto culminante, por tratar-se, efetivamente, do
diploma legal básico, cuja reforma condiciona todas as demais.
Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência protestos de profundo
respeito.
ARMANDO FALCÃO – Ministro da Justiça
Código Civil Brasileiro 107
Exposição de Motivos
do SUPERVISOR DA COMISSÃO REVISORA
E ELABORADORA DO CÓDIGO CIVIL
Ao Excelentíssimo Senhor
Doutor ARMANDO FALCÃO
DD. Ministro de Estado da Justiça
Brasília
Senhor Ministro
Na qualidade de Supervisor da “Comissão Revisora e Elaboradora do Código
Civil”, cabe-me a honra de submeter à consideração de Vossa Excelência o Anteprojeto
de Código Civil, elaborado com inestimável colaboração dos Professores JOSÉ
CARLOS MOREIRA ALVES (Parte Geral), AGOSTINHO DE ARRUDA ALVIM
(Direito das Obrigações), SYLVIO MARCONDES (Atividade Negocial), EBERT
VIANNA CHAMOUN (Direito das Coisas), CLÓVIS DO COUTO E SILVA (Direito
de Família) e TORQUATO CASTRO (Direito das Sucessões).
Não obstante já conhecidas as diretrizes fundamentais do Anteprojeto, através das
Exposições de Motivos redigidas pelo signatário e demais membros da Comissão, não
será demais, como remate final dos trabalhos iniciados há quase seis anos, a 23 de maio
de 1969, recapitular os seus pontos essenciais, com os aditamentos indispensáveis ao
pleno esclarecimento da matéria.
Ao fazê-lo, Senhor Ministro, posso afirmar que, pela forma como se desenvolveram
os estudos, com base em reiteradas pesquisas próprias, mas também graças
às preciosas sugestões e críticas que nos chegaram de todos os quadrantes do País, a
obra ora apresentada trascende a pessoa de seus autores, o que me permite apreciá-la
com a indispensável objetividade.
Preferimos, os integrantes da Comissão, agir em sintonia com a comunidade
brasileira, corrigindo e completando os Anteprojetos anteriores, publicados no Diário
Oficial da União, respectivamente, de 7 de agosto de 1972 e 18 de junho de 1974,
por uma razão essencial de probidade científica, a qual se identifica com o natural
propósito de bem servir ao povo.
NECESSIDADE DA ATUALIZAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL
1. Não é de hoje que vem sendo reclamada a reforma da Lei Civil em vigor, como
decorrência das profundas alterações havidas no plano dos fatos e das idéias, tanto em
108 Código Civil Brasileiro
razão do progresso tecnológico como em virtude da nova dimensão adquirida pelos
valores da solidariedade social.
A exigência de atualização dos preceitos legais foi notada, preliminarmente, no
campo das relações de natureza negocial, como o demonstra a elaboração de um
projeto autônomo de “Código de Obrigações”, há mais de trinta anos, da autoria dos
eminentes jurisconsultos HAHNEMANN GUIMARÃES, PHILADELPHO AZEVEDO
e OROSIMBO NONATO. Essa iniciativa não vingou, entre outros motivos, por
ter-se reconhecido que se impunha a revisão global de nossa legislação civil, visto não
ser menos sentida a sua inadequação no que se refere às demais partes das relações
sociais por ela disciplinadas.
É a razão pela qual o problema foi retomado, em 1963, tendo sido, então, preferida
a elaboração de dois Códigos, um Código Civil – destinado a reger tão-somente
as relações de propriedade, família e sucessões – e um Código de Obrigações, para
integrar em unidade sistemática assim as relações civis como as mercantis.
Não obstante os altos méritos dos juristas que foram incumbidos dessa tarefa, não
logrou boa acolhida a idéia de dois códigos distintos, merecendo, todavia, aplausos o
propósito de unificação do Direito das Obrigações, que, como será logo mais salientado,
constitui verdadeira vocação da experiência jurídica brasileira.
Abandonada a linha da reforma que vinha sendo seguida, não foi posta de lado,
mas antes passou a ser insistentemente pedida a atualização do Código Civil vigente,
tais e tantos são os prejuízos causados ao País por um sistema legal não mais adequado
a uma sociedade que já superou a fase de estrutura prevalecentemente agrária para
assumir as formas e os processos próprios do desenvolvimento científico e industrial
que caracteriza o nosso tempo.
Não vai nessa afirmação qualquer desdouro para a obra gigantesca de CLÓVIS
BEVILÁQUA, cuja capacidade de legislador não será nunca por demais enaltecida.
Ocorre, todavia, que o Código de 1916 foi concebido e aperfeiçoado a partir de 1899,
coincidindo a sua feitura com os últimos reflexos de um ciclo histórico marcado, no
plano político e jurídico, por acendrado individualismo.
2. As dificuldades e os riscos inerentes ao projeto de um Código sentiu-os profundamente
o preclaro CLÓVIS BEVILÁQUA, ao assumir sobre os ombros a responsabilidade
de seu monumental trabalho, que ele prudentemente situou “no ponto de
confluência das duas forças de cujo equilíbrio depende a solidez das construções
sociais: a conservação e a inovação, as tradições nacionais e as teorias das escolas,
o elemento estável que já se adaptou ao caráter e ao modo de sentir de nosso povo,
a maneira pela qual ele estabelece e procura resolver os agros problemas da vida e o
elemento progressivo insuflado pela doutrina científica”. E ainda advertia o Mestre:
“Mas, por isso mesmo que o Direito evolui, o legislador tem necessidade de harmonizar
os dois princípios divergentes (o que se amarra ao passado e o que propende para o
futuro), para acomodar a lei e as novas formas de relações e para assumir discretamente
Código Civil Brasileiro 109
a atitude de educador de sua nação, guiando cautelosamente a evolução que se acusa
no horizonte”.
Outra não pode ser a atitude do codificador, dada a natureza essencialmente ambivalente
de sua missão, que consiste em afundar raízes no passado para melhor se
alçar na visão do porvir.
Não é menos verdade, porém, que o nosso tempo se mostra mais propício a
vislumbrar as linhas do futuro do que o de CLÓVIS, quando ainda o planeta não
fora sacudido pela tormenta de duas guerras universais e pelo impacto dos conflitos
ideológicos. Muito embora sejamos partícipes de uma “sociedade em mudança”, já
fizemos, no Brasil, a nossa opção pelo sistema e o estilo de vida mais condizentes
com as nossas aspirações e os valores de nossa formação histórica. Se reconhecemos
os imperativos de uma Democracia Social, repudiamos todas as formas de coletivismo
ou estatalismo absorventes e totalitários. Essa firme diretriz não só nos oferece
condições adequadas à colocação dos problemas básicos de nossa vida civil, como
nos impõe o dever de assegurar, nesse sentido, a linha de nosso desenvolvimento.
Superado de vez o individualismo, que condicionara as fontes inspiradoras do
Código vigente, reconhecendo-se cada vez mais que o Direito é social em sua origem
e em seu destino, impondo a correlação concreta e dinâmica dos valores coletivos
com os individuais, para que a pessoa humana seja preservada sem privilégios e
exclusivismos, numa ordem global de comum participação, não pode ser julgada
temerária, mas antes urgente e indispensável, a renovação dos códigos atuais, como
uma das mais nobres e corajosas metas de governo.
Por outro lado, os que têm se manifestado sobre a chamada “crise da Justiça” reconhecem
que uma das causas desta advém do obsoletismo de muitas normas legais
vigentes, quer pela inadequação de seu conteúdo à realidade social contemporânea,
quer pelo vincado sentido formalista que as inspira, multiplicando as áreas e os motivos
dos conflitos de interesse.
Acresce que, tendo sido antecipada a promulgação do novo Código de Processo
Civil, mais ainda se impõe a pronta reforma da lei substantiva, tal a complementariedade
que liga um processo normativo ao outro.
Nem se diga que nossa época é pouco propícia à obra codificadora, tantas e
tamanhas são as forças que atuam neste mundo em contínua transformação, pois, a
prevalecer tal entendimento, só restaria ao jurista o papel melancólico de acompanhar
passivamente o processo histórico, limitando-se a interferir, intermitentemente, com
leis esparsas e extravagantes. Ao contrário do que se assoalha, a codificação, como
uma das expressões máximas da cultura de um povo, não constitui balanço ou arremate
de batalhas vencidas, mas pode e deve ser instrumento de afirmação de valores nas
épocas de crise. Mesmo porque, tal como a história no-lo comprova, há codificações,
como a de Justiniano, elaboradas no crepúsculo de uma civilização, enquanto que
outras, como o Código Civil de Napoleão, correspondem ao momento ascencional
de um ciclo de cultura.
110 Código Civil Brasileiro
O que importa é ter olhos atentos ao futuro, sem o temor do futuro breve ou longo
que possa ter a obra realizada. Códigos definitivos e intocáveis não os há, nem
haveria vantagem em tê-los, pois a sua imobilidade significaria a perda do que há de
mais profundo no ser do homem, que é o seu desejo perene de perfectibilidade. Um
Código não é, em verdade, algo de estático ou cristalizado, destinado a embaraçar
caminhos, a travar iniciativas, a provocar paradas ou retrocessos: põe-se antes como
sistema de soluções normativas e de modelos informadores de experiência vivida
de uma Nação, a fim de que ela, graças à visão atualizada do conjunto, possa com
segurança prosseguir em sua caminhada.
DIRETRIZES FUNDAMENTAIS
4. Penso, Senhor Ministro, ter sido acertado o processo de estudo e pesquisa firmado
em nossas reuniões iniciais, no sentido de se proceder à revisão por etapas, a
primeira das quais consistiu na feitura de projetos parciais, acordados os princípios
fundamentais a que deveria obedecer o futuro Código a saber:
a) Compreensão do Código Civil como lei básica, mas não global, do Direito
Privado, conservando-se em seu âmbito, por conseguinte, o Direito das Obrigações,
sem distinção entre obrigações civis e mercantis, consoante diretriz já consagrada,
nesse ponto, desde o Anteprojeto do Código de Obrigações de 1941, e reiterada no
Projeto de 1965.
b) Considerar elemento integrante do próprio Código Civil a parte legislativa
concernente às atividades negociais ou empresárias em geral, como desdobramento
natural do Direito das Obrigações, salvo as matérias que reclamam disciplina especial
autônoma, tais como as de falência, letra de câmbio, e outras que a pesquisa doutrinária
ou os imperativos da política legislativa assim o exijam.
c) Manter, não obstante as alterações essenciais supra-indicadas, a estrutura do
Código ora em vigor, por considerar-se inconveniente, consoante opinião dominante
dos juristas pátrios, a supressão da Parte Geral, tanto do ponto de vista dos valores
dogmáticos, quanto das necessidades práticas, sem prejuízo, é claro, da atualização
de seus dispositivos, para ajustá-los aos imperativos de nossa época, bem como às
novas exigências da Ciência Jurídica.
d) Redistribuir a matéria do Código Civil vigente, de conformidade com os ensinamentos
que atualmente presidem a sistemática civil.
e) Preservar, sempre que possível, a redação da atual Lei Civil, por se não justificar
a mudança de seu texto, a não ser como decorrência de alterações de fundo, ou em
virtude das variações semânticas ocorridas no decorrer de mais de meio século de
vigência.
f) Atualizar, todavia, o Código vigente, não só para superar os pressupostos individualistas
que condicionaram a sua elaboração, mas também para dotá-lo de institutos
Código Civil Brasileiro 111
novos, reclamados pela sociedade atual, nos domínios das atividades empresárias e
nos demais setores da vida privada.
g) Aproveitar, na revisão do Código de 1916, como era de se esperar de trabalho
científico ditado pelos ditames do interesse público, as valiosas contribuições anteriores
em matéria legislativa, tais como os Anteprojetos de Código de Obrigações, de
1941 e de 1965, este revisto pela douta Comissão constituída pelos ilustres juristas
OROSIMBO NONATO, Presidente, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, RelatorGeral,
SYLVIO MARCONDES, ORLANDO GOMES, THEOPHILO DE AZEVEDO
SANTOS e NEHEMIAS GUEIROS; e o Anteprojeto de Código Civil, de 1963, de
autoria do Prof. ORLANDO GOMES.
h) Dispensar igual atenção aos estudos e críticas que tais proposições suscitaram,
a fim de ter-se um quadro, o mais completo possível, das idéias dominantes no País,
sobre o assunto.
i) Não dar guarida no Código senão aos institutos e soluções normativas já dotados
de certa sedimentação e estabilidade, deixando para a legislação aditiva a disciplina de
questões ainda objeto de fortes dúvidas e contrastes, em virtude de mutações sociais
em curso, ou na dependência de mais claras colocações doutrinárias, ou ainda quando
fossem previsíveis alterações sucessivas para adaptações da lei à experiência social
e econômica.
j) Eliminar do Código Civil quaisquer regras de ordem processual, a não ser
quando intimamente ligadas ao direito material, de tal modo que a supressão delas
lhe pudesse mutilar o significado.
l) Incluir na sistemática do Código, com as revisões indispensáveis, a matéria
contida em leis especiais promulgadas após 1916.
m) Acolher os modelos jurídicos validamente elaborados pela jurisprudência construtiva
de nossos tribunais, mas fixar normas para superar certas situações conflitivas,
que de longa data comprometem a unidade e a coerência de nossa vida jurídica.
n) Dispensa de formalidades excessivamente onerosas, como, por exemplo, a notificação
judicial, onde e quando possível obter-se o mesmo resultado com economia
natural de meios, ou dispensar-se a escritura pública, se bastante documento particular
devidamente registrado.
o) Consultar entidades públicas e privadas, representativas dos diversos círculos
de atividades e interesses, objeto da disciplina normativa, a fim de que o Anteprojeto,
além de se apoiar nos entendimentos legislativos, doutrinários e jurisprudenciais,
tanto nacionais como alienígenas, refletisse os anseios legítimos da experiência social
brasileira, em função de nossas peculiares circunstâncias.
p) Dar ao Anteprojeto antes um sentido operacional do que conceitual, procurando
configurar os modelos jurídicos à luz do princípio da realizabilidade, em função das
112 Código Civil Brasileiro
forças sociais operantes no País, para atuarem como instrumentos de paz social e de
desenvolvimento.
ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA
5. Posso afirmar, com tranqüilidade, que a elaboração do Anteprojeto de Código
Civil obedeceu a um processo até certo ponto inédito, marcado pela aderência aos
problemas concretos da sociedade brasileira, segundo um plano preestabelecido de
sucessivos pronunciamentos por parte das pessoas e categorias sociais a que a nova
lei se destina. Essa linha metodológica tornou-se mais nítida à medida que vieram
sendo desenvolvidos os trabalhos, o que confirma, no campo das ciências humanas, o
acerto epistemológico de que, na pesquisa científica, é o contato direto e efetivo com
a realidade que gera as técnicas e os métodos mais adequados à sua compreensão.
Não é demais recordar que, após assentes as diretrizes fundamentais supra lembradas,
e os necessários encontros preliminares, cada um dos membros da Comissão
projetou a parte que lhe havia sido atribuída. Na qualidade de Supervisor coube-me,
depois, integrar em unidade sistemática os trabalhos recebidos.
Não podia, penso eu, ser de outra forma. Já vai longe o tempo das legislações
confiadas a Solon ou Licurgo solitários, tão diversos e complexos são os problemas
de nosso tempo. Se se quer um Código Civil que seja expressão dos valores da comunidade,
mister é o concurso de representantes dos distintos “campos de interesse”,
num intercâmbio fecundo de idéias. Para tanto, todavia, requer-se espírito científico,
despido de preconceitos e vaidades, pronto a reconhecer falhas e equívocos, mas
sempre atento para discernir o que representa apenas pretensões conflitantes com as
necessidades coletivas.
6. Foi com base nos anteprojetos parciais e nas sugestões recebidas de outras fontes
que elaborei a primeira ordenação sistemática da matéria, de conformidade com o
texto do Anteprojeto que apresentei ao então Ministro da Justiça, Prof. ALFREDO
BUZAID, a 9 de novembro de 1970. No ofício, com que encaminhei esse trabalho,
constam as modificações ou acréscimos que entendi necessário introduzir nos anteprojetos
iniciais, solicitando que o resultado de meus estudos fosse objeto da apreciação
dos demais membros da Comissão.
Essa unificação, inclusive no tocante à linguagem, tinha, é claro, valor provisó-
rio, tendo por escopo fornecer a primeira e indispensável visão de conjunto, o que
importou a eliminação de normas porventura conflitantes, bem como a elaboração de
outras destinadas a assegurar ao Código o sentido de “socialidade” e “concreção”,
os dois princípios que fundamentalmente informam e legitimam a obra programada.
Não se compreende, nem se admite, em nossos dias, legislação que, em virtude da
insuperável natureza abstrata das regras de direito, não abra prudente campo à ação
construtiva da jurisprudência, ou deixe de prever, em sua aplicação, valores éticos,
como os de boa-fé e eqüidade.
Código Civil Brasileiro 113
Saliento que, já a essa altura, além dos subsídios tradicionais oriundos de corporações
jurídicas, vinha somar-se um fator relevante, representado pelas manifestações
de múltiplas entidades empresárias, públicas e privadas, bem como de integrantes de
todos os círculos sociais, o que passou a dar ao Projeto um sentido diverso, que, para
empregarmos expressões correntes ajustadas ao caso, traduziu “verdadeiro diálogo
com as forças vivas da nacionalidade”.
7. Enviado o primeiro texto global do Anteprojeto aos meus ilustres colaboradores,
procederam eles à sua revisão, sem ficarem adstritos às partes que inicialmente lhes
haviam sido confiadas. Ponto alto desse trabalho de crítica objetiva deu-se na reunião
do Campos do Jordão, em fins de dezembro de 1970, quando foram examinados, um
a um, os artigos do primeiro Anteprojeto, ao qual foram oferecidas múltiplas emendas
de conteúdo e de redação. A proposição foi, porém, aceita em sua estrutura sistemática,
e no que se refere às principais alterações por mim sugeridas.
Após esse encontro, pode-se dizer que o trabalho se concentrou no reexame meticuloso
das emendas oferecidas e das sugestões recebidas, de cuja análise resultou
o texto do Anteprojeto publicado pela Imprensa Nacional em 1972. Não é demais
acrescentar que esse estudo implicou alterações em um ou outro ponto do sistema,
consoante será salientado a seguir.
Cabe repetir que, no trabalho inicial, valemo-nos todos não só dos Anteprojetos
anteriores, como já foi lembrado, mas também do material recebido do Ministério
da Justiça, contendo sugestões provenientes de entidades oficiais e particulares,
de professores e advogados, sem se olvidar o pronunciamento do homem comum,
interessado na elaboração de uma lei que, acima de todas, lhe diz respeito. Frizo a
importância dessas contribuições anônimas, que trouxeram à Comissão material do
mais alto significado para juristas empenhados na mais delicada das tarefas, qual seja
a de encontrar modelos adequados à multifária e surpreendente condição humana.
Ficava, desse modo, firmada esta diretriz que foi das mais fecundas: a de aliar
os ensinamentos da doutrina e da jurisprudência ao “direito vivido” pelas diversas
categorias profissionais.
Não se cuidou, por conseguinte, de compor um Código tão-somente à vista de
outros códigos, num florilégio normativo resultante de preferências pessoais, mas
sim de apurar e aferir a linha legal mais conveniente e própria, em função dos fatores
operantes na realidade nacional.
8. Obediente a essa diretriz metodológica essencial, a Comissão propôs ao Governo
da República que se editasse o Anteprojeto, tal como se deu em agosto de 1972, isto
é, três anos e meio após o início de nossos trabalhos.
Tão grande foi o interesse por essa publicação que, esgotada a edição oficial,
surpreendeu-nos a cooperação expontânea de uma empresa privada, a “Saraiva Livreiros
Editores”, que possibilitou fosse o texto amplamente divulgado em todo o
País.
114 Código Civil Brasileiro
A esta altura, merece especial referência, Senhor Ministro, como sinal de atenção
dispensada a nosso trabalho, a admirável iniciativa do Senado Federal, através de
sua Subsecretaria de Edições Técnicas, publicando o texto do Anteprojeto de 1972,
em precioso cotejo com as disposições correspondentes do Código Civil em vigor
e dos Anteprojetos anteriores, com oportunas remissões a Códigos alienígenas.
Essa publicação, na qual figuram as Exposições de Motivos iniciais dos membros
da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, além de outros seus estudos
complementares, constituirá inestimável subsídio para nossos parlamentares quando
lhes couber o exame da matéria.
Era natural que o Anteprojeto de 1972 sucitasse inúmeras sugestões e críticas, as
quais abrangeram todos os seus livros, sem que houvesse, todavia, objeção de maior
monta quanto à estruturação dada à matéria, merecedora que foi, ao contrário, de
gerais aplausos.
Não cabe, nos limites desta exposição, referir, uma a uma, as numerosas emendas
recebidas, objeto da mais cuidadosa análise, nem falar nas modificações e acréscimos
que constituíram, por assim dizer, o resultado de “autocrítica” por parte da própria
Comissão, representando talvez cerca de metade das modificações introduzidas no
texto.
Por outro lado, inclusive por motivos de ordem sistemática, mais perceptíveis
por quem se acha empenhado na reelaboração global do ordenamento, as emendas,
mesmo quando válidas quanto ao conteúdo, tiveram que passar pelo crivo da natural
adaptação. Outras vezes, a crítica ao texto era procedente, mas inaceitável a proposta
substitutiva, o que levou a Comissão a oferecer outras soluções, superando ou corrigindo
sua posição inicial.
Sobretudo no que se refere à redação, adotou-se o critério de rever o texto toda
vez que das manifestações recebidas se pudesse inferir a existência de lacuna ou
obscuridade.
Lembro tais fatos para demostrar com que isenção procuramos proceder, dando ao
primeiro Anteprojeto o “valor de uma hipótese de trabalho”, para seguirmos a sábia
lição metodológica traçada por CLAUDE BERNARD.
Para confirmar ainda mais o caráter “experiencial” da obra legislativa em curso, foi
o texto, devidamente revisto, republicado em junho de 1974, para nova manifestação
dos círculos culturais do País, o que promoveu o aparecimento de livros, artigos em
revistas especializadas e jornais, bem como a realização, em todo País, de ciclos de
conferências e seminários, dos quais participaram, com entusiasmo, os membros da
Comissão. Nem faltaram lisongeiros pronunciamentos no exterior, não só quanto à
estrutura do Projeto como no concernente a várias de suas inovações.
Novas sugestões e emendas; novo trabalho de paciente reexame, elaboradas que
foram cerca de 300 emendas, de fundo ou de forma, com as quais a Comissão dá por
concluída sua tarefa, com a apresentação a Vossa Excelência do Anteprojeto de Código
Código Civil Brasileiro 115
Civil anexo, o qual, repito, transcende a pessoa de seus autores, tão significativa foi
a colaboração dos meios sociais, científicos e econômicos, que nos honraram com as
suas ponderações e críticas construtivas.
Se o Direito é, antes de tudo, fruto da experiência, bem se pode afirmar que o
nosso trabalho traz a marca dessa orientação metodológica essencial.
ESTRUTURA E ESPÍRITO DO ANTEPROJETO
10. As considerações expendidas já elucidam, de certo modo, quais as linhas dominantes
da codificação proposta, mas a matéria, por sua relevância, reclama esclarecimentos
complementares.
Em primeiro lugar, cabe observar que, ao contrário do que poderia parecer, não
nos subordinamos a teses abstratas, visando a elaborar, sob a denominação de “Código
Civil”, um “Código de Direito Privado”, o qual, se possível fora, seria de discutível
utilidade ou conveniência.
Na realidade, o que se realizou, no âmbito do Código Civil, foi a unidade do Direito
das Obrigações, de conformidade com a linha de pensamento prevalecente na
Ciência Jurídica pátria, desde TEIXEIRA DE FREITAS e INGLEZ DE SOUSA até
os já referidos Anteprojetos de Código das Obrigações de 1941 e 1964.
Essa unificação seria imperfeita ou claudicante se não a integrassem preceitos que
disciplinam, de maneira geral, os títulos de crédito e as atividades negociais.
Note-se que me refiro aos títulos de crédito em geral, pois no Anteprojeto não
figuram senão as regras básicas comuns a todas as categorias de títulos de crédito,
como tipos formais que são do Direito obrigacional. Os títulos cambiais constituem
espécie desse gênero, e, quer por suas implicações de caráter internacional, como
o atesta a Lei comum de Genebra, quer pela especificidade e variabilidade de seus
dispositivos, melhor é que sejam disciplinados por lei aditiva. Lembro tal fato como
exemplo de orientação por nós seguida, acorde com uma das diretrizes fundamentais
supra discriminadas.
Pela mesma razão, embora de início prevalecesse opinião diversa, foi transferido
para a legislação especial o problema das sociedades anônimas, assim como já quedara
fora do Código toda matéria de natureza falimentar.
Não há, pois, que falar em unificação do Direito Privado a não ser em suas matrizes,
isto é, com referência aos institutos básicos, pois nada impede que do tronco comum
se alonguem e se desdobrem, sem se desprenderem, ramos normativos específicos,
que, com aquelas matrizes, continuam a compor o sistema científico do Direito Civil
ou Comercial. Como foi dito com relação ao Código Civil italiano de 1942, a unificação
do Direito Civil e do Direito Comercial, no campo das obrigações, é de alcance
legislativo, e não doutrinário, sem afetar a autonomia daquelas disciplinas. No caso
116 Código Civil Brasileiro
do Anteprojeto ora apresentado, tal autonomia ainda mais se preserva, pela adoção
da “técnica da legislação aditiva”, onde e quando julgada conveniente.
Não é demais advertir, consoante acentua SYLVIO MARCONDES, na Exposição
de Motivos que acompanha o Anteprojeto de 1974, a unidade do Direito obrigacional
já é uma realidade no Brasil, no plano prático, pois o Código Comercial de 1850 preceitua,
em seu art. 121, que, salvo as restrições estabelecidas, “as regras e disposições
do Direito Civil para os contratos em geral são aplicáveis aos contratos mercantis”.
Com o advento do Código Civil de 1916, dava-se prosseguimento à mesma linha
unificadora, pela aplicação de seus preceitos às atividades negociais, sempre que não
houvesse normas de natureza específica.
11. Restrito o plano unificador à matéria obrigacional e seus corolários imediatos,
não havia que cuidar, como não se cuidou, de normas gerais sobre a vigência das
leis e sua eficácia no espaço e no tempo, tanto no Direito Interno como no Direito
Internacional, matéria esta objeto da chamada Lei de Introdução ao Código Civil,
mas que, consoante ensinamento inesquecível de TEIXEIRA DE FREITAS, melhor
corresponde a uma Lei Geral, na qual se contenham os dispositivos do Direito Internacional
Privado, o que tudo demonstra que não nos tentou veleidade de traçar um
“Código de Direito Privado”.
12. Pois bem, se o Anteprojeto coincide, em parte, com os modelos suíço e italiano no
que tange à unificação das obrigações, a sua ordenação da matéria obedece a orientação
própria inconfundível, vinculada às mais gloriosas tradições de nosso Direito.
Deve-se, com efeito, recordar que, mais de quatro décadas antes do Código Civil
alemão de 1900, o mais genial de nossos jurisconsultos, TEIXEIRA DE FREITAS,
já firmara a tese de uma Parte Geral como elemento básico da sistemática do Direito
privado. Obedece a esse critério a Consolidação das Leis Civis, de autoria daquele
ínclito jurista, consoante texto aprovado pelo Governo Imperial de 1858. Não abandonam
essa orientação as edições seguintes da Consolidação, as de 1865 e 1875,
figurando, com roupagens científico-doutrinárias do mais alto alcance, no malogrado
Esboço de Código Civil, ponto culminante na Dogmática Jurídica nacional.
Se lembrarmos que os Anteprojetos de Código Civil dos eminentes juristas FELICIO
DOS SANTOS, de 1881, e COELHO RODRIGUES, de 1893, conservam a
Parte Geral no plano ordenador da matéria; e se, sobretudo, tivermos presente que
a Parte Geral compõe e governa o sistema do Código Civil vigente, graças à lúcida
colocação dos problemas feita por CLÓVIS BEVILÁQUA, facilmente se compreende
por qual motivo a idéia de abandonar tão conspícuo valor de nossa tradição jurídica
não favorecia a reforma programada em 1963/64.
Ora, basta a existência de uma Parte Geral para desfazer a increpação de que
teríamos seguido o modelo italiano de 1942, o qual a não possui. Além do mais,
no Código Civil peninsular figura toda a disciplina do Direito do Trabalho, que não
integra o nosso Anteprojeto, por tratar-se prevalecentemente de matéria de Direito
público, equacionável segundo outros ditames e parâmetros.
Código Civil Brasileiro 117
Pode dizer-se, por conseguinte, que a estrutura do Anteprojeto corresponde a
um plano original, como desdobramento de uma diretriz que caracteriza e enobrece
a experiência jurídica pátria, tanto no que se refere à Parte Geral, seguida de cinco
livros especiais, como no concernente ao tratamento unitário dos institutos mais
consolidados do Direito das Obrigações.
13. Não procede a alegação de que uma Parte Geral, como a do Código Civil alemão,
ou do nosso, de 1916, não representa mais que uma experiência acadêmica de distínguos
conceituais, como fruto tardio da pandectística do século passado. Quando a
Parte Geral, além de fixar as linhas ordenadoras do sistema, firma os princípios éticojurídicos
essenciais, ela se torna instrumento indispensável e sobremaneira fecundo
na tela da hermenêutica e da aplicação do Direito. Essa função positiva ainda mais
se confirma quando a orientação legislativa obedece a imperativos de socialidade e
concreção, tal como se dá no presente Anteprojeto.
Não é sem motivos que reitero esses dois princípios, essencialmente complementares,
pois o grande risco de tão reclamada socialização do Direito consiste na
perda dos valores particulares dos indivíduos e dos grupos; e o risco não menor da
concretude jurídica reside na abstração e olvido de características transpessoais ou
comuns aos atos humanos, sendo indispensável, ao contrário, que o individual ou o
concreto se balance e se dinamize com o serial ou o coletivo, numa unidade superior
de sentido ético.
Tal compreensão dinâmica do que deva ser um Código implica uma atitude de
natureza operacional, sem quebra do rigor conceitual, no sentido de se preferir sempre
configurar os modelos jurídicos com amplitude de repertório, de modo a possibilitar
a sua adaptação às esperadas mudanças sociais, graças ao trabalho criador da
Hermenêutica, que nenhum jurista bem informado há de considerar tarefa passiva e
subordinada. Daí o cuidado em salvaguardar, nas distintas partes do Código, o sentido
plástico e operacional das normas, conforme inicialmente assente como pressuposto
metodológico comum, fazendo-se, para tal fim, as modificações e acréscimos que o
confronto dos textos revela.
O que se tem em vista é, em suma, uma estrutura normativa concreta, isto é,
destituída de qualquer apego a meros valores formais e abstratos. Esse objetivo de
concretude impõe soluções que deixam margem ao juiz e à doutrina, com freqüente
apelo a conceitos integradores da compreensão ética, tal como os de boa-fé, eqüidade,
probidade, finalidade social do direito, equivalência de prestações etc., o que talvez
não seja do agrado dos partidários de uma concepção mecânica ou naturalística do
Direito, mas este é incompatível com leis rígidas de tipo físico-matemático. A “exigência
de concreção” surge exatamente da contingência insuperável de permanente
adequação dos modelos jurídicos aos fatos sociais “in fieri”.
A estrutura do Código – e já se percebeu que quando emprego o termo estrutura
não me refiro ao arcabouço extrínseco de suas normas, mas às normas mesmas na sua
íntima e complementar unidade, ou à sua forma substancial e global – essa estrutura
118 Código Civil Brasileiro
é, por conseguinte, baseada no propósito que anima a Ciência do Direito, tal como
se configura em nossos dias, isto é, como ciência de experiência social concreta.
O PROBLEMA DA LINGUAGEM
14. O problema da linguagem do Anteprojeto preocupou, desde o início, os membros
da Comissão, lembrados de que, quando da elaboração do Código de 1916, tais
questões prevaleceram, como com sutil ironia foi sublinhado por CLÓVIS, numa
preferência pela forma, “em detrimento da matéria jurídica”.
Embora seja belo ideal a ser atingido – o da composição dos valores formais com
os da técnica jurídica –, nem sempre será possível atendê-lo, não se podendo deixar de
dar preferência, vez por outra, à linguagem do jurista, sempre vinculada a exigências

inamovíveis de certeza e segurança.
Essa dificuldade cresce de ponto se se lembrar que o Anteprojeto conserva,
imutáveis, centenas de dispositivos do Código Civil de 1916, onde o gênio de RUI
BARBOSA esculpiu as configurações normativas segundo impecável estrutura indiomática.
Coube-nos a tarefa ingrata de não destoar desse contexto, mas sem certos
preciosismos inadmissíveis em nosso tempo.
O problema da linguagem é inseparável do conteúdo essencial daquilo que se quer
comunicar, quando não se visa apenas a informar, mas também a fornecer modelos
e diretivas de ação. A linguagem de um Código não se dirige a meros espectadores,
mas se destina antes aos protagonistas prováveis da conduta regulada. Como o
comportamento deles implicará sanções premiais ou punitivas, mister é que a beleza
formal dos preceitos não comprometa a clareza e precisão daquilo que se enuncia e
se exige.
Com essa compreensão da linguagem jurídica – e, consoante a atual Epistemologia,
toda ciência é, no fundo, a sua própria e irrenunciável linguagem –, ver-se-á
que, apesar de nosso propósito de elaborar uma legislação dotada de efetivo valor
operacional, não descuidamos da forma. Procuramos, em última análise, preservar a
beleza formal do Código de 1916, modelo insuperável da vernaculidade, reconhecendo
que uma lei bela já é meio caminho andado para a comunicação da Justiça.
15. Intimamente ligado ao problema da linguagem é o da manutenção, no Anteprojeto,
como já foi salientado, de centenas de artigos do Código Civil vigente.
Ao contrário do que poderia parecer, a um juízo superficial, o Código de 1916,
não obstante ter mais de meio século de vigência, conserva intactas, no fundo e na
forma, soluções dotadas de vitalidade atual, que seria erro substituir, só para atender
ao desejo de uma redação “modernizada”.
A modernidade de um preceito não depende tão-somente da linguagem empregada,
a não ser quando ocorreram mutações semânticas, alterando a acepção original. Em
casos que tais impunha-se a atualização do texto, e ela foi feita com critério e prudên-
Código Civil Brasileiro 119
cia. Fazer alteração numa regra jurídica, por longo tempo trabalhada pela doutrina e
pela jurisprudência, só se justifica quando postos em evidência os seus equívocos e
deficiências, inclusive de ordem verbal, ou então, quando não mais compatíveis com
as necessidades sociais presentes. De outra forma, a alteração gratuita das palavras
poderia induzir, erroneamente, o intérprete a buscar um sentido novo que não estava
nos propósitos do legislador.
Quanto às remissões de uns artigos a outros do Anteprojeto, preferiu-se fazê-lo
tão-somente quando a compreensão do dispositivo o impunha, e não apenas em
virtude da correlação da matéria. O problema das remissões é mais denso de consequências
do que à primeira vista parece, inclusive quando se tem por fim determinar
o sentido pleno dos dispositivos, correlacionando-os logicamente com os de conotação
complementar. Se o significado de um dispositivo legal depende da totalidade
do ordenamento, essa exigência hermenêutica cresce de ponto, particularizando-se,
quando o próprio legislador se refere a outros preceitos para a integração normativa.
É a razão pela qual o legislador deve vincular, com a devida parcimônia, um artigo a
outros, deixando essa tarefa à dinâmica criadora da doutrina, à luz dos fatos e valores
emergentes.
Cumpre, por fim, ressaltar que, não obstante seus méritos expressionais, justamente
louvados por sua correção e beleza de linguagem, não é menos certo, todavia, que o
Código atual carece, às vezes, de rigor técnico-conceitual, sobretudo se examinado
à luz das mais recentes conquistas da Teoria Geral do Direito.
Forçoso foi, por conseguinte, introduzir na sistemática do Código algumas
distinções básicas, como, por exemplo, entre validade e eficácia dos atos jurídicos;
resolução e rescisão dos contratos; ou entre ratificação e confirmação, e outros mais,
que não são de mero alcance doutrinário, e muito menos acadêmico, por envolverem
antes conseqüências práticas, sobretudo para mais segura interpretação e aplicação
dos preceitos.
Ao terminar estas referências ao problema da linguagem, quero deixar assinalada
a valiosa colaboração do Prof. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, ao realizarmos a
revisão final dos textos, visando à unidade expressional compatível com a diversidade
das questões abrangidas pelo Código.
PARTE GERAL
16. Sendo esta Exposição de Motivos de caráter complementar, à vista das que
constam dos Anteprojetos de 1972 e 1974, às quais peço vênia para me reportar, vou
limitar-me a fixar os pontos capitais que distinguem a Parte Geral do Anteprojeto,
em confronto com a legislação vigente.
Mais do que em qualquer outra parte do Código, vale, nesta, a verdade de que, em
matéria de Direito Civil, as reformas mais aparatosas nem sempre são as mais ricas
conseqüências. É lícito dizer-se, parafraseando antiga parêmia, que uma pequena
120 Código Civil Brasileiro
alteração normativa “maximas inducit consequentias juris”. Basta, com efeito, a
dispensa de uma simples formalidade para favorecer o curso dos negócios e contribuir
ao desafogo do foro; a simples conversão de um ato jurídico nulo em anulável
é suficiente para alterar-se todo o sentido do ordenamento.
Por outro lado, atendendo aos já apontados imperativos técnicos da linguagem do
Direito, é sobretudo na Parte Geral que, além de serem fixados os ângulos e parâmetros
do sistema, se elegem os termos adequados às distintas configurações jurídicas,
o que implicou rigorosa atualização do Código atual, onde não raro se empregam,
indiscriminadamente, palavras que devem ter sentido técnico unívoco.
Tal orientação importou, desde logo, uma tomada de posição que se reflete no corpo
todo do Projeto, quanto à delicada, mas não despicienda, necessidade de distinguirse
entre validade e eficácia dos atos jurídicos em geral, e dos negócios jurídicos em
particular. Na terminologia do Anteprojeto, por validade se entende o complexo de
requisitos ou valores formais que determina a vigência de um ato, por representar
o seu elemento constitutivo, dada a sua conformação com uma norma jurídica em
vigor, seja ela imperativa ou dispositiva. Já a eficácia dos atos se refere à produção
dos efeitos, que podem existir ou não, sem prejuízo da validade, sendo certo que a
incapacidade de produzir efeitos pode ser coeva da ocorrência do ato ou da estipulação
do negócio, ou sobrevir em virtude de fatos e valores emergentes.
Quem analisar com cuidado a Parte Geral poderá notar o zelo e rigor com que
se procurou determinar a matéria relativa à validade e eficácia dos atos e negócios
jurídicos, assim como a pertinente aos valores da pessoa e dos bens.
17. Relembradas essas diretrizes de ordem geral, será bastante focalizar alguns pontos
mais relevantes da reforma, abstração feita de aperfeiçoamentos outros de ordem técnica
ou dogmática, já apreciados por MOREIRA ALVES em exposições anteriores.
a) Substancial foi a alteração operada no concernente ao tormentoso problema da
capacidade da pessoa física ou natural, tão conhecidos são os contrastes da doutrina
e da jurisprudência na busca de critérios distintivos válidos entre incapacidade absoluta
e relativa. Após sucessivas revisões chegou-se, a final, a uma posição fundada
nos subsídios mais recentes da Psiquiatria e da Psicologia, distinguindo-se entre
“enfermidade ou retardamento mental” e “fraqueza da mente”, determinando aquela
a incapacidade absoluta, e esta a relativa.
b) Ainda no concernente ao mesmo tema, reconhece-se a incapacidade absoluta
dos que, ainda por causa transitória, não possam exprimir sua vontade, ao mesmo
tempo em que se declaram relativamente capazes, não apenas os surdos mudos, mas
todos “os excepcionais sem desenvolvimento mental completo”.
c) Todo um capítulo novo foi dedicado aos Direitos da personalidade, visando
à sua salvaguarda, sob múltiplos aspectos, desde a proteção dispensada ao nome e à
imagem até o direito de se dispor do próprio corpo para fins científicos ou altruísticos.
Tratando-se de matéria de per si complexa e de significação ética essencial, foi
Código Civil Brasileiro 121
preferido o enunciado de poucas normas dotadas de rigor e clareza, cujos objetivos
permitirão os naturais desenvolvimentos da doutrina e jurisprudência.
d) Como continuidade lógica das questões atinentes à pessoa, cuidou-se de regrar,
na Parte Geral, a ausência, adotando-se critérios mais condizentes com as facilidades
de comunicação e informação próprias de nosso tempo.
e) Tratamento novo foi dado ao tema pessoas jurídicas, um dos pontos em que o
Código Civil atual se revela lacunoso e vacilante. Fundamental, por sua repercussão em
todo sistema, é uma precisa distinção entre as pessoas jurídicas de fins não econômicos
(associações e fundações) e as de escopo econômico (sociedade simples e sociedade
empresária), aplicando-se a estas, no que couber, as disposições concernentes às
associações. Revisto também foi todo capítulo relativo às fundações, restringindo-se
sua destinação a fins religiosos, morais, culturais, ou de assistência.
f) Daí as regras disciplinadoras da vida associativa em geral, com disposições
especiais sobre as causas e a forma de exclusão de associados, bem como quanto à
repressão do uso indevido da personalidade jurídica, quando esta for desviada de
seus objetivos sócio-econômicos para a prática de atos ilícitos, ou abusivos.
g) Foram reformulados os dispositivos concernentes às pessoas jurídicas de Direito
Público interno, inclusive para atender à situação dos Territórios, aos quais se não
pode recusar aquela qualidade, quando a possuem os municípios que os integram.
Os Territórios não são unidades político-administrativas dotadas de autonomia, mas
devem ser considerados pessoas jurídicas de Direito Público, dada a extensão que tal
conceito adquiriu no mundo contemporâneo, com o aparecimento de entidades outras
como as autarquias, fundações de Direito Público etc.
h) Mais precisa discriminação dos bens públicos, cuja imprescriptibilidade foi
mantida, inclusive quanto aos dominicais, mas com significativa ressalva do disposto
em leis especiais, destinadas a salvaguardar os interesses da Fazenda, mas sem prejuízo
de determinadas situações privadas merecedoras de amparo.
i) Atualização das normas referentes aos fatos jurídicos, dando-se preferência à
disciplina dos negócios jurídicos, com mais rigorosa determinação de sua constitui-
ção, de seus defeitos e de sua invalidade, fixadas, desse modo, as bases sobre que se
assenta toda a parte relativa ao Direito das Obrigações. Nesse, como em outros pontos,
procura-se obedecer a uma clara distinção entre validade e eficácia dos atos jurídicos,
evitando-se os equívocos em que se enreda a Dogmática Jurídica que presidiu à feitura
do Código de 1916.
j) As disposições relativas à lesão enorme, para considerar-se anulável o negócio
jurídico pelo qual uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se
obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
l) Correlação mais harmônica entre a disciplina dos atos ilícitos e a parte do Direito
das Obrigações pertinente à “responsabilidade civil”.
122 Código Civil Brasileiro
m) Maior distinção, sem perda do sentido de sua complementariedade, entre as
normas pertinentes à representação e ao mandato, as deste transferidas para o Livro
do Direito das Obrigações.
n) Foi atualizada, de maneira geral, a terminologia do Código vigente, a começar
pelo superamento da obsoleta sinonímia entre “juridicidade” e “licitude”, por ser
pacífico, na atual Teoria Geral do Direito, sobretudo a partir de HANS KELSEN, a
tese de que não podem deixar de ser considerados “jurídicos” os atos que, embora
ilícitos, produzem efeitos jurídicos. (Cfr. as considerações expendidas, sobre esse
e outros problemas técnico-dogmáticos nas Exposições de Motivos de MOREIRA
ALVES e do signatário, publicadas com o Anteprojeto de 1974).
o) Relevante alteração se fez no tocante ao instituto da simulação, que passa a
acarretar a nulidade do negócio jurídico simulado, subsistindo o dissimulado, se válido
for na substância e na forma.
p) Atendendo a justas ponderações, foi suprida relevante lacuna quanto à falta de
determinação normativa da “escritura pública”, até agora regida por usos e costumes,
que remontam às Ordenações do Reino, completados por disposições regulamentares.
No Projeto foram compendiados os requisitos essenciais desse instrumento, a que
os Códigos e as leis se referem, sem que houvessem sido claramente fixadas as suas
exigências formais, como meio fundamental de prova.
18. Menção à parte merece o tratamento dado aos problemas da prescrição e decadência,
que, anos a fio, a doutrina e a jurisprudência tentaram em vão distinguir,
sendo adotadas, às vezes, num mesmo Tribunal, teses conflitantes, com grave dano
para a Justiça e assombro das partes.
Prescrição e decadência não se extremam segundo rigorosos critérios lógicoformais,
dependendo sua distinção, não raro, de motivos de conveniência e utilidade
social, reconhecidos pela Política legislativa.
Para por cobro a uma situação deveras desconcertante, optou a Comissão por uma
fórmula que espanca quaisquer dúvidas. Prazos de prescrição, no sistema do Projeto,
passam a ser, apenas e exclusivamente, os taxativamente discriminados na Parte Geral,
Título IV, Capítulo I, sendo de decadência todos os demais, estabelecidos, em cada
caso, isto é, como complemento de cada artigo que rege a matéria, tanto na Parte
Geral como na Especial.
19. Ainda a propósito da prescrição, há um problema terminológico digno de especial
ressalte. Trata-se de saber se prescreve a ação ou a pretensão. Após amadurecidos
estudos, preferiu-se a segunda solução, por ser considerada a mais condizente com o
Direito Processual contemporâneo, que de há muito superou a teoria da ação como
simples projeção de direitos subjetivos.
É claro que nas questões terminológicas pode haver certa margem de escolha
opcional, mas o indispensável, num sistema de leis, é que, eleita uma via, se mante-
Código Civil Brasileiro 123
nha fidelidade ao sentido técnico e unívoco atribuído às palavras, o que se procurou
satisfazer nas demais secções do Anteprojeto.
20. Finalmente, não posso deixar sem reparo a manutenção no Código Civil dos
dispositivos referentes às pessoas e bens públicos.
Não há razão para considerar incabível a disciplina dessa matéria no âmbito da Lei
Civil. Não se trata de apego a uma concepção privatista do Direito Administrativo, que
está bem longe das conhecidas posições do autor desta Exposição, mas reflete, antes de
mais nada, a compreensão da Filosofia e Teoria Geral do Direito contemporâneo, as quais
mantêm a distinção entre direito Público e Privado como duas perspectivas ordenadoras
da experiência jurídica, considerando-os distintos, mas substancialmente complementares
e até mesmo dinamicamente reversíveis, e não duas categorias absolutas e estanques.
Abstração feita, porém, desse pressuposto de ordem teórica, há que considerar outras
razões não menos relevantes, que me limito a sumariar. A permanência dessa matéria
no Código Civil, além de obedecer à linha tradicional de nosso Direito, explica-se:
1) Por ser grande número dos princípios e normas fixados na Parte Geral de larga
aplicação nos domínios do Direito Público, em geral, e Administrativo, em particular,
como o reconhece, entre tantos outros, o mestre GUIDO ZANOBINI, um dos mais
ardorosos defensores da autonomia dogmática de sua disciplina (Cfr. “Novissimo
Digesto Italiano”, vol. V, pag. 788).
2) Por melhor se determinarem os conceitos de personalidade e bens públicos e privados,
quando postos em confronto uns com os outros, dada a sua natural polaridade.
3) Por inexistir um Código de Direito Administrativo, ainda de incerta elaboração,
sendo o Código Civil, sabidamente, a lei comum, que fixa os lineamentos lógiconormativos
da experiência jurídica.
4) Por resultarem da disciplina feita várias consequências relevantes na sistemática
do Código, a começar pela atribuição ao Território, erigido à dignidade de pessoa
jurídica, de uma série de direitos antes conferidos à União.
5) Por serem aplicáveis as normas do Código Civil às entidades constituídas pelo
Poder Público em função ou para os fins de seus serviços, sempre que a lei que as
instituir não lhes der ordenação especial, o que se harmoniza com o que determina o
art. 170, § 2o
da Constituição de 1969, segundo o qual “na exploração, pelo Estado,
da atividade econômica, as empresas públicas e as sociedades de economia mista
reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas”.
PARTE ESPECIAL
LIVRO I
Do Direito das Obrigações
21. Mantida, em linhas gerais, a sistematização da matéria proposta pelo ilustre Professor
AGOSTINHO ALVIM, e por ele tão minuciosa e objetivamente fundamentada,
124 Código Civil Brasileiro
apresenta a redação final do Projeto algumas modificações, resultantes da orientação
seguida nas demais partes do sistema, bem como para acentuar o atendimento às já
apontadas exigências de socialidade e concreção, em consonância com o imperativo
da função social do contrato, “ad instar” do que se dá com o direito de propriedade.
Outras alterações resultaram do estudo de sugestões recebidas de órgãos representativos
de diversos “campos de interesse”, como se dá, por exemplo, quanto ao
contrato de empreitada. As reivindicações dos construtores foram atendidas, sem
se deixar de salvaguardar, concomitantemente, os direitos dos proprietários. Este é,
dentre muitos, um exemplo de como se procurou sempre compor os imperativos do
bem individual com os do bem comum.
Observo, outrossim, que, em mais de um passo, o Projeto final integra em seu
contexto algumas proposições normativas constantes dos Anteprojetos de Código das
Obrigações, de 1941 e 1965, às vezes sem lhes alterar a redação, assim como adota
outras soluções inspiradas nas mais recentes codificações ou reformas legislativas
estrangeiras aplicáveis às nossas circunstâncias.
Não me posso alongar nas razões determinantes das modificações ou acréscimos
propostos à legislação vigente, neste como nos demais Livros do Anteprojeto, mas
elas se explicam graças ao simples cotejo dos textos. Limito-me, pois, a lembrar os
pontos fundamentais, sem ser necessário fazer referências minuciosas às novas figuras
contratuais que vieram enriquecer o Direito das Obrigações, como os contratos de
comissão, de agência e distribuição, corretagem, incorporação edilícia, transporte etc.,
aos quais foram dadas soluções inspiradas na experiência doutrinária e jurisprudencial
brasileira, indo-se além dos conhecidos modelos das mais recentes codificações.
Demonstração cabal de nosso cuidado em dotar o País de institutos reclamados pelo
estado atual de nosso desenvolvimento está no fato de, ainda agora, já em terceira
revisão do texto, acrescentarmos um conjunto de normas disciplinando “o contrato
sobre documentos” de grande relevância sobretudo no comércio marítimo.
Por outro lado, firme consciência ética da realidade sócio-econômica norteia a
revisão das regras gerais sobre a formação dos contratos e a garantia de sua execução
equitativa, bem como as regras sobre resolução dos negócios jurídicos em virtude
de onerosidade excessiva, às quais vários dispositivos expressamente se reportam,
dando a medida do propósito de conferir aos contratos estrutura e finalidade sociais.
É um dos tantos exemplos de atendimento da “socialidade” do Direito.
Além disso, entendeu-se conveniente dar diversa configuração aos contratos aleatórios,
nos quais não se prevê apenas a entrega de coisas futuras, mas toda e qualquer
prestação que, por sua natureza ou convenção, possa importar risco, explicável em
função da estrutura do negócio jurídico. O mesmo se diga quanto aos contratos preliminares
ou os estipulados com pessoa a declarar.
22. Nesse contexto, bastará, por conseguinte, lembrar alguns outros pontos fundamentais,
a saber:
Código Civil Brasileiro 125
a) Conservar a sistemática atual, pela disciplina das obrigações, a partir da discriminação
de suas modalidades, uma das mais elegantes contribuições do direito
pátrio, não obstante indispensáveis complementos e retificações, desprezando-se a
referência inicial ao sempre controvertido problema das fontes, e também em razão
do já disciplinado na Parte Geral.
b) Harmonizar a matéria relativa ao inadimplemento das obrigações (Título IV do
Livro I) com os demais artigos do Projeto que firmam novas diretrizes ético-sociais
em matéria de responsabilidade civil.
c) Tornar explícito, como princípio condicionador de todo o processo hermenêutico,
que a liberdade de contratar só pode ser exercida em consonância com os fins sociais
do contrato, implicando os valores primordiais da boa-fé e da probidade. Trata-se de
preceito fundamental, dispensável talvez sob o enfoque de uma estreita compreensão
positivista do Direito, mas essencial à adequação das normas particulares à concreção
ética da experiência jurídica.
d) Atualizar e reordenar as disposições gerais concernentes à compra e venda,
mantendo, sempre que possível, neste como em outros pontos do Projeto, uma rigorosa
distinção entre validade e eficácia dos negócios jurídicos. No tocante à questão
do preço, foi dada, por exemplo, maior flexibilidade aos preceitos, prevendo-se, tal
como ocorre no plano do Direito Administrativo, a sua fixação mediante parâmetros.
Não é indispensável que o preço seja sempre predeterminado, bastando que seja
garantidamente determinável, de conformidade com crescentes exigências da vida
contemporânea. Tal modo de ver se impõe, aliás, pela unidade da disciplina das atividades
privadas, assente como base da codificação.
e) Prever, além da venda à vista de amostras, a que se realiza em função de protótipos
e modelos.
f) Conferir ao juiz poder moderador, no que se refere às penalidades resultantes
do inadimplemento dos contratos, como, por exemplo, nos de locação, sempre que
julgar excessiva a exigência do locador.
g) Incluir normas sobre contratos de adesão, visando a garantir o aderente perante
o ofertante, dotado de vantagens que sua posição superior lhe propicia.
h) Disciplinar a locação de serviços de maneira autônoma, em confronto com as
regras pertinentes ao Direito do Trabalho, prevendo-se, entre outros, os casos em que
se deverá considerar exigível a retribuição devida a quem prestar os serviços, embora
sem título de habilitação, com benefício real para a outra parte.
i) No capítulo relativo à empreitada, estabelecer disposições mais adequadas às
exigências tecnológicas hodiernas, de modo a atender às finalidades sociais do contrato
e às relações de equilíbrio que devem existir entre o dono da obra, o projetista
e o construtor, tais como revelado pela experiência dos últimos anos.
Por outro lado, os contratos de construção põem problemas novos, como os concernentes
aos direitos e deveres do projetista, distintos dos do construtor, superando-
126 Código Civil Brasileiro
se, desse modo, sentida lacuna do Código atual. Também neste capítulo, como nos
demais, foi dada especial atenção aos casos de excessiva onerosidade, prevendo-se
regras capazes de restabelecer o equilíbrio dos interesses em conflito, segundo critérios
práticos para a sua solução. Embora se pudesse considerar tal matéria implícita nos
preceitos relativos à “resolução dos contratos por onerosidade excessiva”, atendeu-se
a algumas particularidades da matéria no âmbito do negócio de empreitada.
j) Dar novo tratamento ao contrato de seguros claramente distinto em “seguro
de pessoa” e “seguro de dano”, tendo sido aproveitadas, nesse ponto, as sugestões
oferecidas pelo Prof. FABIO KONDER COMPARATO, conforme estudo anexado
ao citado ofício de 9 de novembro de 1970. Nesse, como nos demais casos, procura
o projeto preservar a situação do segurado, sem prejuízo da certeza e segurança indispensáveis
a tal tipo de negócio.
l) Disciplinar o contrato de transporte que tem existido entre nós como simples
contrato inominado, com base em normas esparsas. A solução normativa oferecida
resulta dessa experiência, à luz dos modelos vigentes em outros países, com precisa
distinção entre transporte de pessoas e transporte de coisas.
m) Disciplinar, com a devida amplitude e precisão, a matéria relativa ao contrato
de incorporação de edifícios em condomínio, que se preferiu denominar contrato
de “incorporação edilícia”, discriminando as responsabilidades do incorporador, do
construtor e de quantos participam do referido negócio.
n) Adotar as disposições sobre contratos bancários, salvo modificação de redação
e alguns elementos complementares, constantes do Projeto de Código de Obrigações
de 1965.
o) Dar à disciplina geral dos títulos de crédito um tratamento mais amplo, conforme
sugestões oferecidas pelo Professor MAURO BRANDÃO LOPES, cujo anteprojeto
e respectiva Exposição de motivos foram anexados ao ofício supra-referido.
p) Novo enfoque dado à matéria de responsabilidade civil, não só pela amplitude
dispensada ao conceito de dano, para abranger o dano moral, mas também por se
procurar situar, com o devido equilíbrio, o problema da responsabilidade objetiva.
q) Disciplina da venda com reserva de domínio, cuja regulamentação no Código
de Processo Civil mistura textos de direito substantivo com os de direito adjetivo.
r) Alteração substancial no Título pertinente aos atos unilaterais, por entender-se,
consoante sistematização proposta por AGOSTINHO ALVIM, que entre as obrigações
originárias da declaração unilateral da vontade devem figurar a gestão de negócios,
o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa.
s) Aceitação da revalorização da moeda nas dívidas de valor, mas proibição de
cláusulas de correção monetária nos demais casos, com expressa ressalva, porém, da
validade da estipulação que prevê aumentos progressivos no caso de serem sucessivas
as prestações.
Código Civil Brasileiro 127
t) Reformulação do contrato com pessoa a nomear, para dar-lhe maior aplicação
e amplitude, enquanto que, no Anteprojeto anterior, ficara preso, segundo o modelo
do Código Civil italiano de 1942, ao fato de já existir a pessoa no ato de conclusão
do contrato.
u) Limitação do poder de denúncia unilateral dos contratos por tempo indeterminado,
quando exigidos da outra parte investimentos de vulto, pressupondo ela poder
dispor de prazo razoável, compatível com as despesas feitas. Esta sugestão, por mim
feita e acolhida pela Comissão, é um dos tantos exemplos da preocupação que tivemos
no sentido de coarctar os abusos do poder econômico.
v) Inclusão, entre os casos de preempção ou preferência, de norma aplicável quando
o Poder Público não der à coisa expropriada o destino para que se desapropriou, ou
não for utilizada em obras ou serviços públicos.
x) Reformulação do contrato de agência e distribuição para atender à lei especial
que disciplina a matéria sob o título impróprio de “representação comercial”. As
ponderações feitas pelos interessados foram levadas na devida conta, o que vem,
mais uma vez, confirmar a diretriz seguida no sentido de se procurar sempre a solu-
ção normativa mais adequada aos distintos campos de atividade, conciliando-se os
interesses das categorias profissionais com as exigências da coletividade.
y) A idênticos propósitos obedeceu a revisão do contrato de transporte, que também
não pode dispensar a existência de lei especial, em virtude de problemas conexos de
Direito Administrativo ou Tributário. Isto não obstante, a Comissão acolheu várias
sugestões recebidas, visando a dar maior certeza a esse tipo de contrato, de modo a
amparar os interesses dos transportadores e os dos usuários.
z) E, finalmente, para dar mais um exemplo do cunho de “socialidade” ou “justiça
social” que presidiu a elaboração do Projeto, em todas as suas fases, destaco a nova
redação do preceito que fixa a medida das indenizações: “Se houver excessiva desproporção
entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente,
a indenização.
23. O método de submeter os Anteprojetos à aferição pública, ouvidas as categorias
profissionais, possibilitou a revisão dos textos “in concreto”, assim como revelou
imperfeições e lacunas no que se refere a determinados problemas postos pela unificação
do Direito das Obrigações.
Verificada a inexistência de disposições capazes de atender a certos aspectos da
atividade negocial, houve sugestões no sentido de se acrescentarem regras especiais
sobre mandato ou depósito mercantis, como tipos autônomos de contrato, a fim de
satisfazer a exigências da vida comercial ou empresária. Examinando detidamente a
matéria, cheguei à conclusão, compartilhada pelos demais companheiros de trabalho,
de que o que se impunha era antes a revisão daqueles e outros institutos, enriquecendose
o Anteprojeto com normas capazes de resolver questões que não podem, efetivamente,
deixar de ser contempladas, uma vez fixada a diretriz unificadora do Direito
128 Código Civil Brasileiro
das Obrigações. A essa luz, o mandato ou depósito passaram a ser disciplinados sob o
duplo aspecto de sua gratuidade ou onerosidade, segundo sejam exercidos ou não em
virtude de atividade profissional e para fins de lucro. Nessa obra integradora ainda se
revelaram, por sinal, de plena atualidade as disposições do nosso Código de Comércio
de 1850.
O mesmo se diga quanto aos preceitos que, no Projeto definitivo, vieram disciplinar
a questão do lugar da tradição da coisa vendida. Desse modo, em função dos ditames
da experiência, completou-se a obra de integração das relações obrigacionais, sem
perda de seu sentido unitário e de suas naturais distinções.
LIVRO II
Da Atividade Negocial
24. Como já foi ponderado, do corpo do Direito das Obrigações se desdobra, sem
solução de continuidade, a disciplina da Atividade Negocial. Naquele se regram os
negócios jurídicos; nesta se ordena a atividade enquanto se estrutura para exercício
habitual de negócios. Uma das formas dessa organização é representada pela empresa,
quando tem por escopo a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Apesar, porém, da relevância reconhecida à atividade empresarial, esta não abrange
outras formas habituais de atividade negocial, cujas peculiaridades o Anteprojeto teve
o cuidado de preservar, como se dá nos casos:
1) do pequeno empresário, caracterizado pela natureza artesanal da atividade, ou
a predominância do trabalho próprio, ou de familiares, em relação ao capital.
2) dos que exercem profissão intelectual de natureza científica, literária, ou artística,
ainda que se organizem para tal fim.
3) do empresário rural, ao qual, porém, se faculta a inscrição no Registro das Empresas,
para se subordinar às normas que regem a atividade empresária como tal.
4) da sociedade simples, cujo escopo é a realização de operações econômicas de
natureza não empresarial. Como tal, não se vincula ao Registro das Empresas, mas
sim ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Note-se, outrossim, que uma atividade
de fins econômicos, mas não empresária, não se subordina às normas relativas ao
“empresário”, ainda que se constitua segundo uma das formas previstas para a “sociedade
empresária”, salvo se por ações.
Como se depreende do exposto, na empresa, no sentido jurídico deste termo, reúnemse
e compõem-se três fatores, em unidade indecomponível: a habitualidade no exercício
de negócios, que visem à produção ou à circulação de bens ou de serviços; o escopo de
lucro ou o resultado econômico; a organização ou estrutura estável dessa atividade.
Não será demais advertir, para dissipar dúvidas e ter-se melhor entendimento
da matéria, que, na sistemática do Anteprojeto, empresa e estabelecimento são dois
Código Civil Brasileiro 129
conceitos diversos, embora essencialmente vinculados, distinguindo-se ambos do
empresário ou sociedade empresária que são “os titulares da empresa”.
Em linhas gerais, pode dizer-se que a empresa é, consoante acepção dominante
na doutrina, “a unidade econômica de produção”, ou “a atividade econômica
unitariamente estruturada para a produção ou a circulação de bens ou serviços”. A
empresa, desse modo conceituada, abrange, para a consecução de seus fins, um ou
mais “estabelecimentos”, os quais são complexos de bens ou “bens coletivos” que se
caracterizam por sua unidade de destinação, podendo, de per si, ser objeto unitário
de direitos e de negócios jurídicos.
Dessarte, o tormentoso e jamais claramente determinado conceito de “ato de
comércio”, é substituído pelo de empresa, assim como a categoria de “fundo de
comércio” cede lugar à de “estabelecimento”. Consoante justa ponderação de RENÊ
SAVATIER, a noção de “fundo de comércio” é uma concepção jurídica envelhecida
e superada, substituída com vantagem pelo conceito de estabelecimento, “que é o
corpo de um organismo vivo”, “todo o conjunto patrimonial organicamente grupado
para a produção.” (“La Théorie des Obligations”, Paris, 1967, pag. 124).
Disciplina especial recebem, no Projeto, os “titulares da empresa”, que podem
ser tanto uma pessoa física (o empresário) como uma pessoa jurídica (a sociedade
empresária).
Fixados esses pressupostos para a disciplina de todos os tipos de sociedade, fica
superada de vez a categoria imprópria, ora vigente, de “sociedade civil de fins econô-
micos”, pois, no âmbito do Código Civil unificado, são civis tanto as associações como
as sociedades, qualquer que seja a forma destas. Distinguem-se apenas as sociedades
em simples ou empresárias, de conformidade com o objetivo econômico que tenham
em vista e o modo de seu exercício.
25. Reportando-me à ampla exposição feita pelo ilustre Professor SYLVIO MARCONDES,
bastará, penso eu, para ter-se uma idéia geral do Anteprojeto – objetivo
que me move neste trabalho –, salientar mais os seguintes tópicos:
a) Revisão dos tipos tradicionais de sociedade, para configurá-los com melhor
técnica, em função das características que a atividade negocial, em geral, e a empresária,
em particular, assume no mundo contemporâneo.
b) Fixação dos princípios que governam todas as formas de vida societária, em
complementariedade ao já estabelecido, na Parte Geral, quanto às associações.
c) Com a instituição da sociedade simples, cria-se um modelo jurídico capaz de
dar abrigo ao amplo espectro das atividades de fins econômicos não empresariais,
com disposições de valor supletivo para todos os tipos de sociedade.
d) Minucioso tratamento dispensado à sociedade limitada, destinada a desempenhar
função cada vez mais relevante no setor empresarial, sobretudo em virtude das trans-
130 Código Civil Brasileiro
formações por que vêm passando as sociedades anônimas, a ponto de requererem estas
a edição de lei especial, por sua direta vinculação com a política financeira do País.
Nessa linha de idéia, foi revista a matéria, prevendo-se a constituição de entidades
de maior porte do que as atualmente existentes, facultando-se-lhes a constituição de
órgãos complementares de administração, como o Conselho Fiscal, com responsabilidades
expressas, sendo fixados com mais amplitude os poderes da assembléia dos
sócios.
e) Fixação, em termos gerais, das normas caracterizadoras das sociedades anônimas
e das cooperativas, para ressalva de sua integração no sistema do Código Civil,
embora disciplinadas em lei especial.
f) Capítulo próprio destinado ao delicado e momentoso problema das sociedades
ligadas, distintas em controladas, filiadas e de simples participação, correspondendo
a cada uma dessas categorias estatuições e exigências diversas, sobretudo no que se
refere à obrigação ou não de publicação de balanços consolidados, patrimonial e de
resultado econômico.
g) Normas atualizadas sobre o processo de liquidação das sociedades, para pôr
termo às delongas e erosões que caracterizam, hoje em dia, essa fase sempre crítica,
quando não tormentosa, da vida societária.
h) Idem quanto aos processos de transformação, incorporação e fusão das sociedades.
i) Disciplina das sociedades dependentes de autorização, quer nacionais, quer
estrangeiras, com o que se preenche grave lacuna na legislação vigente.
j) Determinação das notas distintivas do “estabelecimento”, que, como já foi
frisado, representa o instrumento ou meio de ação da empresa.
l) Disposições especiais estabelecendo, com a devida prudência, as exigências
mínimas a que estão obrigados todos os empresários e sociedades empresárias em
sua escrituração.
m) Atualização, nesse sentido, do sistema de contabilidade, com a permissão de
processos mecanizados ou eletrônicos, o que foi alvo de referências economiásticas
por autores estrangeiros que trataram do assunto.
n) Elaboração de outros institutos complementares sobre Registro, Nome e Preposição,
de modo a assegurar o pleno desenvolvimento de nossa vida empresarial.
LIVRO III
Do Direito das Coisas
26. Demonstração cabal da objetividade crítica, com que sempre procurou se conduzir
na feitura do Anteprojeto, deu-a a Comissão ao restabelecer o art. 485 do Código Civil
Código Civil Brasileiro 131
atual em matéria de posse, não só para atender às objeções suscitadas pelo novo texto
proposto, mas também para salvaguardar o cabedal da valiosa construção doutrinária
e jurisprudencial resultante de mais de meio século de aplicação.
Nos demais pontos foi mantida, porém, a orientação do Anteprojeto, o qual efetivamente
dá contornos mais precisos e práticos a várias disposições sobre posse,
inspirando-se na experiência das últimas décadas.
A atualização do Direito das Coisas não é assunto opcional, em termos de mera
perfectibilidade teórica, mas sim imperativo de ordem social e econômica, que decorre
do novo conceito constitucional de propriedade e da função que a esta se atribui na
sociedade hodierna.
Por essa razão, o Anteprojeto, tanto sob o ponto de vista técnico quanto pelo
conteúdo de seus preceitos, inspira-se na compreensão solidária dos valores individuais
e coletivos, que, longe de se conflitarem, devem se completar e se dinamizar
reciprocamente, correspondendo, assim, ao desenvolvimento da sociedade brasileira,
bem como às exigências da Ciência Jurídica contemporânea.
Bastará, nesse sentido, atentar para o que o Anteprojeto dispõe sobre o exercício do
direito de propriedade; o usucapião; os direitos de vizinhança, ou os limites traçados aos
direitos dos credores hipotecários ou pignoratíceos, para verificar-se como é possível satisfazer
aos superiores interesses coletivos com salvaguarda dos direitos individuais.
27. Em complemento às considerações expendidas pelo ilustre professor EBERT
VIANNA CHAMOUN, nas publicações anteriores, vou focalizar apenas alguns
aspectos mais salientes da reforma:
a) Em primeiro lugar, a substancial alteração feita na enumeração taxativa dos
direitos reais, entre eles se incluindo a superfície e o direito do promitente comprador
do imóvel.
b) O reconhecimento do direito de propriedade, que deve ser exercido em consonância
com as suas finalidades econômicas e sociais e de tal modo que sejam preservados,
de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais e o equilíbrio ecológico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou
utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
c) O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicando
consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos,
de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou
separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico
relevante. Nesse caso o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário. Pago o
preço, valerá a sentença como título para transcrição do imóvel em nome dos possuidores.
Trata-se, como se vê, de inovação do mais alto alcance, inspirada no sentido
132 Código Civil Brasileiro
social do direito de propriedade, implicando não só novo conceito desta, mas também
novo conceito de posse, que se poderia qualificar como sendo de posse-trabalho,
expressão pela primeira vez por mim empregada, em 1943, em parecer sobre projeto
de decreto-lei relativo às terras devolutas do Estado de São Paulo, quando membro
de seu “Conselho Administrativo”.
Na realidade, a lei deve outorgar especial proteção à posse que se traduz em
trabalho criador, quer este se corporifique na construção de uma residência, quer se
concretize em investimentos de caráter produtivo ou cultural. Não há como situar no
mesmo plano a posse, como simples poder manifestado sobre uma coisa, “como se”
fora atividade do proprietário, com a “posse qualificada”, enriquecida pelos valores
do trabalho. Este conceito fundante de “posse-trabalho” justifica e legitima que, ao
invés de reaver a coisa, dada a relevância dos interesses sociais em jogo, o titular da
propriedade reinvindicanda receba, em dinheiro, o seu pleno e justo valor, tal como
determina a Constituição.
Vale notar que, nessa hipótese, abre-se, nos domínios do Direito, uma via nova
de desapropriação que se não deve considerar prerrogativa exclusiva dos Poderes
Executivo ou Legislativo. Não há razão plausível para recusar ao Poder Judiciário
o exercício do poder expropriatório em casos concretos, como o que se contém na
espécie analisada.
d) As mesmas razões determinantes do dispositivo supra mencionado levaram a
Comissão a reduzir para quinze anos o usucapião extraordinário se, durante esse tempo,
o possuidor, houver pago os impostos relativos ao prédio, construindo no mesmo a sua
morada ou realizando obras ou serviços de caráter produtivo. Pareceu mais conforme
aos ditames sociais situar o problema em termos de “posse trabalho”, que se manifesta
através de obras e serviços realizados pelo possuidor. O mero pagamento de tributos,
máxime num país com áreas tão ralamente povoadas, poderia propiciar direitos a quem
se não encontre em situação efetivamente merecedora do amparo legal.
e) O mesmo se diga no concernente ao dispositivo que reduz a cinco anos o
usucapião fundado em justo título e boa-fé, quando o imóvel houver sido adquirido
onerosamente, com base em transcrição constante do registro de imóveis.
f) Por ter-se reconhecido o Território como pessoa jurídica de Direito Público
interno, passam os imóveis urbanos abandonados a caber aos respectivos Municípios,
tal como se dá quando estes integram os Estados. Exceção a essa regra geral é relativa
a imóvel rústico abandonado, pois, nesse caso, é natural que seja destinado à União
para fins de política agrária.
g) A fim de dirimir dúvidas que têm causado graves danos, outorga-se ao proprietário
do solo o direito de explorar recursos minerais de reduzido valor, independente
de autorização “in casu”, salvo o disposto em lei especial.
h) Tendo sido firmado o princípio da enumeração taxativa dos direitos reais foi
mister atender à chamada “concessão de uso”, tal como já se acha em vigor, “ex
Código Civil Brasileiro 133
vi” do Decreto-lei no
271, de 28 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre loteamento
urbano. Trata-se de inovação recente de legislação pátria, mas com larga e benéfica
aplicação. Como a lei estende a “concessão de uso” às relações entre particulares, não
pode o Projeto deixar de contemplar a espécie. Consoante justa ponderação de JOSÉ
CARLOS DE MOREIRA ALVES, a “migração” desse modelo jurídico, que passou
da esfera do Direito Administrativo para a do Direito Privado, veio restabelecer, sob
novo enfoque, o antigo instituto da superfície.
i) Na mesma linha de idéias, foram reexaminadas algumas questões pertinentes
ao direito de vizinhança, encontrando-se nova solução para o delicado problema das
construções erguidas em terreno limítrofe, caso em que é mister conciliar o direito
do proprietário, que sofreu a invasão, com o valor intrínseco do que se edificou.
Pelas normas adotadas, o acréscimo, resultante da utilização da área ocupada, passa,
em determinadas hipóteses, a ser computado no cálculo da indenização devida,
distinguindo-se, outrossim, entre invasão de boa ou de má fé. Pode dizer-se que, desse
modo, se faz um “balanço de bens”, compondo-se o direito individual de propriedade
com o valor econômico do que se construiu.
j) Fundamentais foram também as alterações introduzidas no instituto que no Projeto
recebeu o nome de “condomínio edilício”. Este termo mereceu reparos, apodado
que foi de “barbarismo inútil”, quando, na realidade, vem de puríssima fonte latina, e
é o que melhor corresponde à natureza do instituto, mal caracterizado pelas expressões
“condomínio horizontal”, “condomínio especial”, ou “condomínio em edifício”. Na
realidade, é um condomínio que se constitui, objetivamente, como resultado do ato
de edificação, sendo, por tais motivos, denominado “edilício”. Esta palavra vem de
“aedilici (um)”, que não se refere apenas ao edil, consoante foi alegado, mas, como
ensina o Mestre F. R. SANTOS SARAIVA, também às suas atribuições, dentre as
quais sobrelevava a de fiscalizar as construções públicas e particulares.
A doutrina tem salientado que a disciplina dessa espécie de condomínio surgiu,
de início, vinculada à pessoa dos condôminos (concepção subjetiva) dando-se ênfase
ao que há de comum no edifício, para, depois, evoluir no sentido de uma concepção
objetiva, na qual prevalece o valor da unidade autônoma, em virtude da qual o condomínio
se instaura, numa relação de meio a fim. Donde ser necessário distinguir, de
maneira objetiva, entre os atos de instituição e os de constituição do condomínio, tal
como se configura no Projeto. Para expressar essa nova realidade institucional é que
se emprega o termo “condomínio edilício”, designação que se tornou de uso corrente
na linguagem jurídica italiana, que, consoante lição de RUI BARBOSA, é a que mais
guarda relação com a nossa. Esta, como outras questões de linguagem, devem ser
resolvidas em função das necessidades técnicas da Ciência Jurídica, e não apenas à
luz de critérios puramente gramaticais.
Ainda no concernente a essa matéria, apesar de expressa remissão à lei especial,
entendeu-se de bom alvitre incluir no Código alguns dispositivos regrando os direitos e
deveres dos condôminos, bem como a competência das assembléias e dos síndicos.
134 Código Civil Brasileiro
l) De grande alcance prático é o instituto da propriedade fiduciária, disciplinado
consoante proposta feita pelo Prof. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, que acolheu
sugestões recebidas do Banco Central do Brasil e analisou cuidadosamente pondera-
ções feitas por entidades de classe. Passou a ser considerada constituída a propriedade
fiduciária com o arquivamento, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do
devedor, do contrato celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve
de título. Note-se que, em se tratando de veículos, além desse registro, exige-se o
arquivamento do contrato na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se
a anotação no certificado de propriedade.
Os demais artigos, embora de maneira sucinta, compõem o essencial para a caracterização
da propriedade fiduciária, de modo a permitir sua aplicação diversificada e
garantida no mundo dos negócios.
m) A igual exigência de certeza jurídica obedece a disposição segundo a qual o
penhor de veículos se constitui mediante instrumento público ou particular, também
inscrito no Registro de Títulos e Documentos, com a devida anotação no certificado
de propriedade.
n) Relativamente à proposta feita no sentido de se incluir no Código a normação
das letras hipotecárias, entendeu a Comissão preferível deixar o assunto para lei
aditiva, tal como está previsto no Projeto. O mesmo deverá ocorrer, aliás, com as
cédulas rurais pignoratícias, ou as de penhor industrial ou mercantil.
o) Foi mantida entre os direitos reais de garantia a anticrese, mas devidamente
atualizada e suscetível de servir como modelo jurídico de aplicação prática.
p) Atualizado foi o instituto da hipoteca, acolhendo-se valiosas propostas feitas
pelo Prof. CLOVIS DO COUTO E SILVA, consoante por mim lembrado na Exposição
que acompanha o Anteprojeto de 1972.
q) Finalmente, não se manteve o instituto da enfiteuse no que se refere aos bens
particulares.
LIVRO IV
Do Direito de Família
28. A Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, como já se terá notado,
não obstante o seu constante empenho em adequar a lei civil às exigências de nosso
tempo, sempre preferiu preservar a estrutura da ora em vigor, enriquecendo os seus
títulos com novos institutos e figuras.
No caso, porém, do Direito de Família, deu-se razão ao Professor COUTO E
SILVA no sentido de se destinar um Título para reger o direito pessoal, e outro para
disciplina do direito patrimonial de família. Na realidade é esse o Livro do Código
atual que mais se ressente de falta de harmonia sistemática, nem sempre se sucedendo
os capítulos segundo rigoroso desdobramento lógico. Todavia, os dispositivos refe-
Código Civil Brasileiro 135
rentes à tutela e à curatela compõem um Título à parte, tal a correlação que, nesses
institutos, existe entre os aspectos pessoais e patrimoniais.
29. No que se refere ao conteúdo dos dispositivos, como era de se esperar, a parte
relativa ao Direito de Família foi a que mais suscitou divergências e críticas, resultantes,
quase sempre, de falha interpretação dos textos, inclusive pelo vezo de se analisar
um artigo sem situá-lo na totalidade do sistema.
Observe-se, desde logo, que algumas disposições foram alvo de críticas antagô-
nicas, uns entendendo que a Comissão assumira uma posição retrógrada, mesmo em
confronto com a legislação vigente, enquanto que outros a condenavam por desmedidos
excessos...
Tais contradições da crítica ocorreram especialmente no que se refere à posição dos
cônjuges, parecendo aos tradicionalistas um grave erro o abandono da natural preeminência
que deveria ser assegurada ao marido, a cobro de qualquer contrasteação; em franco
contraste, pois, com os defensores da absoluta igualdade entre os esposos, a ponto de
condenarem quaisquer disposições tendentes a proteger a mulher no seio da família.
Entre esses dois extremos situa-se o Anteprojeto, que põe termo ao “poder marital”,
pois não se pode dizer que este subsista só pelo fato de caber ao marido a direção da
sociedade conjugal, visto como ele só poderá exercer com a colaboração da mulher,
no interesse do casal e do filho.
Além do mais, essa direção sofre limitações expressas, conforme resulta da análise
conjunta das seguintes diretivas:
1) As questões essenciais são decididas em comum, sendo sempre necessária a
colaboração da mulher na direção da sociedade conjugal. A mulher, em suma, deixa
de ser simples colaboradora e companheira –consoante posição que lhe atribui a lei
vigente – para passar a ter “poder de decisão”, conjuntamente com o esposo.
2) Prevalecem as decisões tomadas pelo marido, em havendo divergência, mas
fica ressalvada à mulher a faculdade de recorrer ao juiz, desde que não se trate de
matéria personalíssima.
3) O domicílio do casal é escolhido por ambos os cônjuges, e não apenas pelo
marido, como dispõe o Código atual, que se limita a conferir à mulher a faculdade
de recorrer ao juiz, no caso de deliberação que a prejudique, de conformidade com a
redação dada ao seu art. 233 pela Lei no
4.121, de 27 de agosto de 1962, que dispõe
sobre a situação jurídica da mulher casada.
4) Pode a mulher, assim como o marido, ausentar-se do domicílio conjugal para
atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares
relevantes.
5) O exercício do pátrio poder compete a ambos os cônjuges, com a mesma configuração
jurídica consagrada pela lei atual.
136 Código Civil Brasileiro
6) Cabe à mulher, como norma geral, a administração dos bens próprios.
Posta essa questão nos seus devidos termos, outras alterações introduzidas no
Livro IV merecem referência, a começar pelas duas omissões que efetivamente não
se justificavam, uma no tocante à proibição de casamento do adúltero com o seu coréu
por tal condenado; a outra relativa à possibilidade de dispensa de prazo para que
possa a viúva contrair novas núpcias, em se verificando ocorrência de gravidez.
30. Abstração feita dessas duas lacunas, que resultaram de lapso na transposição de
artigos, parece-me bastante salientar mais alguns pontos, pois não caberia repetir o
que se acha minuciosamente exposto na Exposição de Motivos Complementar do
Prof. CLOVIS DO COUTO E SILVA, ao Anteprojeto de 1974:
a) As normas sobre o registro civil do casamento religioso, de conformidade com
o que dispõe a Constituição, com os corolários indispensáveis para se por termo aos
abusos que ora se praticam.
b) Nova disciplina dada à matéria de invalidade do casamento. Segundo a nova
sistemática, que corresponde melhor à natureza das coisas, além de ser nulo de pleno
direito o casamento realizado com infringência de qualquer impedimento, tal como já
o declara o Código atual (arts. 183, I a VII e 207), também o será quando contraído
pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil. Todas
as demais hipóteses passam a constituir motivo de anulação, como se dá no caso
de falta de idade mínima para casar; se o casamento for do incapaz de consentir ou
manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; ou se incompetente a autoridade
celebrante.
c) Considerar erro essencial, quanto à pessoa do outro cônjuge, a ignorância,
anterior ao casamento, de doença mental grave, incurável e que, por sua natureza,
torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado, caso em que o casamento
pode ser anulado.
d) Elevação para quatro anos do prazo de decadência para anulação do casamento
em virtude de coação.
e) Revisão dos preceitos pertinentes à contestação, pelo marido, da legitimidade
do filho nascido de sua mulher, ajustando-os à jurisprudência dominante.
f) Direito reconhecido à mulher de retomar seu nome de solteira, se condenado o
marido na ação de desquite.
g) Previsão da hipótese de separação ininterrupta do casal, por mais de cinco
anos, para equipará-la ao desquite, tão-somente para fim de reconhecimento dos filhos
adulterinos.
h) Se não houver acordo entre os pais no tocante à autorização para o casamento
de filho menor de vinte e um anos, prevalecerá a opinião do pai, ressalvado à mãe
Código Civil Brasileiro 137
o direito de recorrer ao juiz para solução de divergência em questões essenciais, ad
instar do que já dispõe o Projeto sobre a direção da sociedade conjugal, ou o exercício
do pátrio poder.
i) Exigência de ação direta para decretação da nulidade do casamento.
j) A obrigação de ambos os cônjuges, quando casados no regime de separação, de
contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho
e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.
l) Nova disciplina do instituto da adoção, distinta em “adoção plena” e “adoção
restrita”, de sorte a permitir atendimento de situações distintas, prevendo-se, no primeiro
caso, a plena integração do adotado na família do adotante.
m) Homologação pelo juiz da escritura que institui a adoção restrita, reconhecendose
que a dispensa de homologação poderia dar lugar a abusos.
n) Estabelecer, como regime legal, o da comunhão parcial com comunhão de aqüestos,
de conformidade com o que vinha sendo insistentemente reclamado pela doutrina.
Facilita-se, todavia, a adoção do regime da comunhão universal mediante simples declaração
dos nubentes, no ato de casar, desde que devidamente tomada por termo.
o) Sob a denominação de “regime de participação final nos aqüestos”, para
distingui-lo do regime de comunhão parcial, que implica aquela participação desde
a celebração do casamento, prevê-se um novo regime de bens que poderá atender a
situações especiais, tal como se verifica nas Nações que vão atingindo maior grau de
desenvolvimento, sendo freqüente o caso de ambos os cônjuges exercerem atividades
empresariais distintas.
p) Disciplina da prestação de alimentos segundo novo espírito, abandonando o
rígido critério da mera garantia de meios de subsistência.
q) Manter a instituição do bem de família, mas de modo a torná-lo suscetível de
realizar efetivamente a alta função social que o inspira, inclusive de uma forma que,
a meu ver, substitui, com vantagem, as soluções até agora oferecidas no Brasil ou no
estrangeiro, prevendo-se a formação de um patrimônio separado cuja renda se destine
a efetiva salvaguarda da família.
r) Revisão das normas relativas à tutela, a fim de melhor disciplinar a competência
do tutor, tornando-a mais condizente com a realidade.
s) Nova discriminação dos casos de curatela, em consonância com a disposição
da Parte Geral sobre incapacidade relativa, acrescentando-se a hipótese de curatela
do enfermo ou portador de deficiência física.
t) Transferência para lei especial da disciplina das relações patrimoniais entre concubinos,
a fim de que possam ser considerados outros aspectos da questão, inclusive em
termos de sociedade de fato, consoante vem sendo elaborado pela jurisprudência.
138 Código Civil Brasileiro
31. Antes de concluir estas notas sobre Direito de Família, cabe lembrar que se estranhou
houvesse sido previsto um “regime de participação final dos aqüestos”, não
correspondente a nenhum modelo alienígena. Trata-se, efetivamente, de contribuição
original, que tem alguns pontos de contato com o estabelecido pela Lei que entrou em
vigor em Quebec, em julho de 1970. Na Exposição de Motivos ministerial que precede
este documento legal, é dito que esse novo regime “quer expressar uma realidade profunda:
dois seres, que se unem pelo casamento, contribuem, através dos dias, cada um
a seu modo, em forma diferente, à acumulação, salvaguarda e acréscimo do patrimônio
familiar. Parece, portanto, justo e eqüitativo que, ao terminar a associação conjugal, os
cônjuges possam, na ausência de convenções expressas em contrário, dividir em dois
o que houverem adquirido juntos”. Não obstante a diferença entre os dois modelos,
tais palavras servem de fundamento ao que se disciplina no Anteprojeto.
Essa e outras contribuições, sem se olvidar as de natureza sistemática, como a
rigorosa distinção do Direito de Família em pessoal e patrimonial, demonstram que
o Livro IV do Anteprojeto foi elaborado não só com ciência, mas também com plena
consciência do valor social e espiritual da instituição da família, que constitui a base
inamovível dos valores mais altos da comunidade.
LIVRO V
Do Direito das Sucessões
32. As modificações operadas no Direito de Família implicaram correspondentes altera-
ções no Direito das Sucessões, cujos dispositivos foram também revistos para atender a
lacuna e deficiência do Código Civil atual, apontadas pela doutrina e a jurisprudência.
Com a adoção do regime legal de separação parcial com comunhão de aqüestos,
entendeu a Comissão que especial atenção devia ser dada aos direitos do cônjuge
supérstite em matéria sucessória. Seria, com efeito, injustificado passar do regime
da comunhão universal, que importa a comunicação de todos os bens presentes e
futuros dos cônjuges, para o regime da comunhão parcial, sem se atribuir ao cônjuge
supérstite o direito de concorrer com descendentes e ascendentes. Para tal fim, passou
o cônjuge a ser considerado herdeiro necessário, com todas as cautelas e limitações
compreensíveis em questão tão delicada e relevante, a qual comporta diversas hipó-
teses que exigiram tratamento legal distinto.
Por outro lado, havia necessidade de superar-se o individualismo que norteia a
legislação vigente em matéria de direito de testar, excluindo-se a possibilidade de ser
livremente imposta a cláusula de inalienabilidade à legítima. É, todavia, permitida
essa cláusula se houver justa causa devidamente expressa no testamento. Aliás, a
exigência de justa causa, em tais casos, era da tradição do Direito pátrio, antes do
sistema do Código vigente.
33. Relembrados esses pontos capitais, reporto-me à Exposição de Motivos do ilustre
Professor TORQUATO CASTRO, limitando-me a salientar mais os seguintes aspectos
não menos relevantes da reforma:
Código Civil Brasileiro 139
a) Mais precisa determinação do valor da aceitação e da renúncia da herança.
b) Legitimação para suceder, no tocante ao nasciturus conceptus e nondum conceptus,
estabelecendo-se prazo razoável para a consolidação da herança.
c) Disciplina da herança, enquanto indivisível, extremando-se as normas materiais
das de natureza processual.
d) Maior amparo aos filhos ilegítimos, aos quais tocarão dois terços da herança
cabível a cada um dos legítimos.
e) Novas normas no que se refere à situação do filho adotivo e do adotado, conforme
se trate de adoção plena ou restrita, quer em relação aos seus ascendentes naturais,
quer no tocante à pessoa do adotante.
f) Reexame das disposições relativas ao problema da colação e redução das
liberalidades feitas em vida pelo autor da herança, em virtude do princípio da intangibilidade
da legítima dos herdeiros necessários.
g) Simplificação, em geral, dos atos de testar, sem perda, todavia, dos valores de
certeza e segurança.
h) Melhor sistematização dos preceitos concernentes ao direito de acrescer entre
herdeiros e legatários.
i) A declaração de que o testamento é ato personalíssimo, suscetível de ser revogado
a qualquer tempo, numa fórmula concisa que evita a tão discutida definição contida
no Código Civil vigente.
j) Revisão das disposições relativas ao testamento cerrado, para admitir possa ser
feito por outra pessoa, a rogo do testador.
l) Manter os preceitos do Código atual relativos aos requisitos essenciais do testamento
particular, mas declarando que, para a sua confirmação, serão suficientes
duas testemunhas contestes.
m) Revisão do instituto do fideicomisso, inclusive prevendo-se o caso de sua
conversão em usufruto.
n) O novo tratamento dado à arrecadação de herança jacente, bem como à declaração
de sua vacância, para atender ao disposto no novo Código de Processo Civil.
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
34. Breve referência desejo fazer a esta parte final do Projeto na qual, de maneira
concisa, evitando-se enumeração casuística, se estabelecem as normas que devem
presidir a passagem da antiga para a nova lei.
140 Código Civil Brasileiro
Nesse sentido, foi considerado de bom alvitre ressaltar a vigência das leis especiais
relativas à locação de prédios urbanos, bem como a das disposições de natureza
processual, administrativa ou penal, constantes de leis, cujos preceitos de natureza
civil hajam sido incorporados ao novo Código.
Por outro lado, declarou-se proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses,
regendo-se as ainda existentes pelas disposições do antigo Código, até que por outra
forma se discipline a matéria.
35. São essas, Senhor Ministro, as considerações complementares com que submeto
à alta apreciação de Vossa Excelência o texto revisto do Anteprojeto, esperando que
o Governo da República haja por bem submetê-lo à alta apreciação do Congresso
Nacional.
Ao fazer a entrega deste trabalho de equipe, ao qual foram incorporadas valiosas
contribuições oriundas das mais variadas fontes do sentir e do saber da comunidade
brasileira, conforta-me, bem como aos demais companheiros, a consciência de termos
agido com serena objetividade, procurando harmonizar, de maneira concreta e dinâ-
mica, as idéias universais do Direito com as que distinguem e dignificam a cultura
nacional; os princípios teóricos com as exigências de ordem prática; a salvaguarda dos
valores do indivíduo e da pessoa com os imperativos da solidariedade social; os progressos
da ciência e da técnica com os bens que se preservam ao calor da tradição.
Quero, por fim, consignar os agradecimentos dos membros da Comissão Elaboradora
e Revisora do Código Civil ao ilustre Presidente ERNESTO GEISEL e a
Vossa Excelência, por nos terem confirmado na incumbência anteriormente recebida,
de elaborar a lei básica das relações privadas, numa demonstração de confiança que
constitui a melhor paga de quase seis anos de tão grandes preocupações quanto de
aturados estudos e pesquisas.
Muito cordialmente
São Paulo, 16 de janeiro de 1975
MIGUEL REALE – Supervisor da Comissão Elaboradora e Revisora do Código
Civil
Texto do Novo
Código Civil

Código Civil Brasileiro 143
LEI No
10.406
DE 10 DE JANEIRO DE 2002
(Publicada no DO de 11/1/2002)
Institui o Código Civil.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
PARTE GERAL
LIVRO I
Das Pessoas
TÍTULO I
Das Pessoas Naturais
CAPÍTULO I
Da Personalidade e da Capacidade
Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I – os menores de dezesseis anos;
II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para a prática desses atos;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental,
tenham o discernimento reduzido;
III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
144 Código Civil Brasileiro
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento
público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do
juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II – pelo casamento;
III – pelo exercício de emprego público efetivo;
IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;
V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de
emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha
economia própria.
Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto
aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.
Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de
vida;
II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado
até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá
ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar
a data provável do falecimento.
Art. 8o Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo
averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente
mortos.
Art. 9o Serão registrados em registro público:
I – os nascimentos, casamentos e óbitos;
II – a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;
III – a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;
IV – a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.
Art. 10. Far-se-á averbação em registro público:
I – das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o
divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal;
II – dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a
filiação;
III – dos atos judiciais ou extrajudiciais de adoção.
Código Civil Brasileiro 145
CAPÍTULO II
Dos Direitos da Personalidade
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade
são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade,
e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida
prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta,
ou colateral até o quarto grau.
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio
corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar
os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante,
na forma estabelecida em lei especial.
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do
próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer
tempo.
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento
médico ou a intervenção cirúrgica.
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o
sobrenome.
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou
representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção
difamatória.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se
dá ao nome.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à
manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou
a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas,
a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem
a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas
para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
146 Código Civil Brasileiro
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento
do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato
contrário a esta norma.
CAPÍTULO III
Da Ausência
Seção I
Da Curadoria dos Bens do Ausente
Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não
houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens,
o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a
ausência, e nomear-lhe-á curador.
Art. 23. Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente
deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o mandato, ou
se os seus poderes forem insuficientes.
Art. 24. O juiz, que nomear o curador, fixar-lhe-á os poderes e obrigações, conforme
as circunstâncias, observando, no que for aplicável, o disposto a respeito dos
tutores e curadores.
Art. 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou
de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu legítimo
curador.
§ 1o Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais ou
aos descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer
o cargo.
§ 2o Entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais remotos.
§ 3o Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador.
Seção II
Da Sucessão Provisória
Art. 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou
representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer
que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão.
Art. 27. Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se consideram interessados:
I – o cônjuge não separado judicialmente;
II – os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários;
III – os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte;
IV – os credores de obrigações vencidas e não pagas.
Código Civil Brasileiro 147
Art. 28. A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá
efeito cento e oitenta dias depois de publicada pela imprensa; mas, logo que passe em
julgado, proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha
dos bens, como se o ausente fosse falecido.
§ 1o Findo o prazo a que se refere o art. 26, e não havendo interessados na sucessão
provisória, cumpre ao Ministério Público requerê-la ao juízo competente.
§ 2o Não comparecendo herdeiro ou interessado para requerer o inventário
até trinta dias depois de passar em julgado a sentença que mandar abrir a sucessão
provisória, proceder-se-á à arrecadação dos bens do ausente pela forma estabelecida
nos arts. 1.819 a 1.823.
Art. 29. Antes da partilha, o juiz, quando julgar conveniente, ordenará a conversão
dos bens móveis, sujeitos a deterioração ou a extravio, em imóveis ou em títulos
garantidos pela União.
Art. 30. Os herdeiros, para se imitirem na posse dos bens do ausente, darão garantias
da restituição deles, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões
respectivos.
§ 1o Aquele que tiver direito à posse provisória, mas não puder prestar a garantia
exigida neste artigo, será excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob
a administração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste
essa garantia.
§ 2o Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, uma vez provada a sua qualidade
de herdeiros, poderão, independentemente de garantia, entrar na posse dos
bens do ausente.
Art. 31. Os imóveis do ausente só se poderão alienar, não sendo por desapropriação,
ou hipotecar, quando o ordene o juiz, para lhes evitar a ruína.
Art. 32. Empossados nos bens, os sucessores provisórios ficarão representando
ativa e passivamente o ausente, de modo que contra eles correrão as ações pendentes
e as que de futuro àquele forem movidas.
Art. 33. O descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor provisório do
ausente, fará seus todos os frutos e rendimentos dos bens que a este couberem; os
outros sucessores, porém, deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos,
segundo o disposto no art. 29, de acordo com o representante do Ministério Público,
e prestar anualmente contas ao juiz competente.
Parágrafo único. Se o ausente aparecer, e ficar provado que a ausência foi voluntária
e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor, sua parte nos frutos e rendimentos.
Art. 34. O excluído, segundo o art. 30, da posse provisória poderá, justificando
falta de meios, requerer lhe seja entregue metade dos rendimentos do quinhão que
lhe tocaria.
148 Código Civil Brasileiro
Art. 35. Se durante a posse provisória se provar a época exata do falecimento do
ausente, considerar-se-á, nessa data, aberta a sucessão em favor dos herdeiros, que
o eram àquele tempo.
Art. 36. Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de estabelecida
a posse provisória, cessarão para logo as vantagens dos sucessores nela imitidos,
ficando, todavia, obrigados a tomar as medidas assecuratórias precisas, até a entrega
dos bens a seu dono.
Seção III
Da Sucessão Definitiva
Art. 37. Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura
da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o
levantamento das cauções prestadas.
Art. 38. Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o ausente
conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele.
Art. 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão
definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão
só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar,
ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens
alienados depois daquele tempo.
Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o ausente não
regressar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados
passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas
respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados
em território federal.
TÍTULO II
Das Pessoas Jurídicas
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito
privado.
Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:55
I – a União;
II – os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III – os Municípios;
IV – as autarquias, inclusive as associações públicas;
55 Lei no
11.107/2005.
Código Civil Brasileiro 149
V – as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito
público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber,
quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.
Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e
todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis
por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito
regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:56
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações;
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
§ 1o São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento
das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento
ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.
§ 2o As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às
sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código.
§ 3o Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto
em lei específica.
Parágrafo único. As disposições concernentes às associações aplicam-se,
subsidiariamente, às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste
Código.
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com
a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário,
de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as
alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas
jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da
publicação de sua inscrição no registro.
Art. 46. O registro declarará:
I – a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social,
quando houver;
56 Lei no
10.825/2003.
150 Código Civil Brasileiro
II – o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;
III – o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial
e extrajudicialmente;
IV – se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que
modo;
V – se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações
sociais;
VI – as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio,
nesse caso.
Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos
limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.
Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão
pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo
diverso.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as decisões a que se
refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo,
simulação ou fraude.
Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento
de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte,
ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares
dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização
para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se
conclua.
§ 1o Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de
sua dissolução.
§ 2o As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber,
às demais pessoas jurídicas de direito privado.
§ 3o Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da
pessoa jurídica.
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da
personalidade.
Código Civil Brasileiro 151
CAPÍTULO II
Das Associações
Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem
para fins não econômicos.
Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.
Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá:57
I – a denominação, os fins e a sede da associação;
II – os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;
III – os direitos e deveres dos associados;
IV – as fontes de recursos para sua manutenção;
V – o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos;
VI – as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução;
VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.
Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir
categorias com vantagens especiais.
Art. 56. A qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não dispuser o
contrário.
Parágrafo único. Se o associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio
da associação, a transferência daquela não importará, de per si, na atribuição da qualidade
de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa do estatuto.
Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida
em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos
previstos no estatuto.58
Parágrafo único. (Revogado).
Art. 58. Nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que
lhe tenha sido legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos
na lei ou no estatuto.
Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral:59
I – destituir os administradores;
II – alterar o estatuto.
57 Lei no
11.127/2005. 58 Lei no
11.127/2005. 59 Lei no
11.127/2005.
152 Código Civil Brasileiro
Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos I e II deste artigo é
exigido deliberação da assembléia especialmente convocada para esse fim, cujo quorum
será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores.
Art. 60. A convocação dos órgãos deliberativos far-se-á na forma do estatuto,
garantido a 1/5 (um quinto) dos associados o direito de promovê-la.60
Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois
de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único
do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto,
ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou
federal, de fins idênticos ou semelhantes.
§ 1o Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados,
podem estes, antes da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em
restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao
patrimônio da associação.
§ 2o Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Territó-
rio, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas neste artigo,
o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito
Federal ou da União.
CAPÍTULO III
Das Fundações
Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou
testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e
declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.
Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos,
morais, culturais ou de assistência.
Art. 63. Quando insuficientes para constituir a fundação, os bens a ela destinados
serão, se de outro modo não dispuser o instituidor, incorporados em outra fundação
que se proponha a fim igual ou semelhante.
Art. 64. Constituída a fundação por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é
obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados,
e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado judicial.
Art. 65. Aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em
tendo ciência do encargo, formularão logo, de acordo com as suas bases (art. 62), o
estatuto da fundação projetada, submetendo-o, em seguida, à aprovação competente,
com recurso ao juiz.
Art. 66. Velará pelas fundações o Minitério Público do Estado onde situadas.
60 Lei no
11.127/2005.
Código Civil Brasileiro 153
§ 1o Se funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao
Ministério Público Federal.
§ 2o Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada
um deles, ao respectivo Ministério Público.
Art. 67. Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma:
I – seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a
fundação;
II – não contrarie ou desvirtue o fim desta;
III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público, e, caso este a denegue,
poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado.
Art. 68. Quando a alteração não houver sido aprovada por votação unânime,
os administradores da fundação, ao submeterem o estatuto ao órgão do Ministério
Público, requererão que se dê ciência à minoria vencida para impugná-la, se quiser,
em dez dias.
Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação,
ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer
interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição
em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada
pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.
TÍTULO III
Do Domicílio
Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência
com ânimo definitivo.
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente,
viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes
à profissão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um
deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.
Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual,
o lugar onde for encontrada.
Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta
de o mudar.
Parágrafo único. A prova da intenção resultará do que declarar a pessoa às municipalidades
dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer,
da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem.
154 Código Civil Brasileiro
Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:
I – da União, o Distrito Federal;
II – dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III – do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV – das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas
diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou
atos constitutivos.
§ 1o Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes,
cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados.
§ 2o Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por
domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das
suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.
Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo
e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente;
o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do
militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a
que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver
matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.
Art. 77. O agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade
sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado
no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve.
Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde
se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes.
LIVRO II
Dos Bens
TÍTULO ÚNICO
Das Diferentes Classes de Bens
CAPÍTULO I
Dos Bens Considerados em Si Mesmos
Seção I
Dos Bens Imóveis
Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
Código Civil Brasileiro 155
I – os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II – o direito à sucessão aberta.
Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis:
I – as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade,
forem removidas para outro local;
II – os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.
Seção II
Dos Bens Móveis
Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por
força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:
I – as energias que tenham valor econômico;
II – os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;
III – os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.
Art. 84. Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados,
conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes
da demolição de algum prédio.
Seção III
Dos Bens Fungíveis e Consumíveis
Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma
espécie, qualidade e quantidade.
Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata
da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à
alienação.
Seção IV
Dos Bens Divisíveis
Art. 87. Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância,
diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam.
Art. 88. Os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinação
da lei ou por vontade das partes.
156 Código Civil Brasileiro
Seção V
Dos Bens Singulares e Coletivos
Art. 89. São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si,
independentemente dos demais.
Art. 90. Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que,
pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária.
Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de
relações jurídicas próprias.
Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de
uma pessoa, dotadas de valor econômico.
CAPÍTULO II
Dos Bens Reciprocamente Considerados
Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório,
aquele cuja existência supõe a do principal.
Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam,
de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.
Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem
as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das
circunstâncias do caso.
Art. 95. Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos
podem ser objeto de negócio jurídico.
Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.
§ 1o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso
habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.
§ 2o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.
§ 3o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.
Art. 97. Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos
ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor.
CAPÍTULO III
Dos Bens Públicos
Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas
de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a
que pertencerem.
Código Civil Brasileiro 157
Art. 99. São bens públicos:
I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou
estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive
os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito
público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os
bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura
de direito privado.
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis,
enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.
Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências
da lei.
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme
for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.
LIVRO III
Dos Fatos Jurídicos
TÍTULO I
Do Negócio Jurídico
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela
outra em benefício próprio, nem aproveita aos co-interessados capazes, salvo se, neste
caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum.
Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for
relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial,
senão quando a lei expressamente a exigir.
158 Código Civil Brasileiro
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade
dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação
ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior
salário mínimo vigente no País.
Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento
público, este é da substância do ato.
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a
reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha
conhecimento.
Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem,
e não for necessária a declaração de vontade expressa.
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada
do que ao sentido literal da linguagem.
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os
usos do lugar de sua celebração.
Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.
CAPÍTULO II
Da Representação
Art. 115. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado.
Art. 116. A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes,
produz efeitos em relação ao representado.
Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurí-
dico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo
mesmo.
Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o
negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido subestabelecidos.
Art. 118. O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em
nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de,
não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.
Art. 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses
com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem
com aquele tratou.
Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio
ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação
prevista neste artigo.
Código Civil Brasileiro 159
Art. 120. Os requisitos e os efeitos da representação legal são os estabelecidos nas
normas respectivas; os da representação voluntária são os da Parte Especial deste
Código.
CAPÍTULO III
Da Condição, do Termo e do Encargo
Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da
vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pú-
blica ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de
todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.
Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:
I – as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;
II – as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;
III – as condições incompreensíveis ou contraditórias.
Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas,
e as de não fazer coisa impossível.
Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva,
enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.
Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente
esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição,
se com ela forem incompatíveis.
Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio
jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.
Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o
direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou
periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto
aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente
e conforme aos ditames de boa-fé.
Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento
for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se,
ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a
quem aproveita o seu implemento.
Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou
resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.
Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.
160 Código Civil Brasileiro
Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os
prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento.
§ 1o Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo
até o seguinte dia útil.
§ 2o Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia.
§ 3o Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou
no imediato, se faltar exata correspondência.
§ 4o Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.
Art. 133. Nos testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos,
em proveito do devedor, salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou
das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos
os contratantes.
Art. 134. Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exeqüíveis desde logo,
salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo.
Art. 135. Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas
à condição suspensiva e resolutiva.
Art. 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo
quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição
suspensiva.
Art. 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se
constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio
jurídico.
CAPÍTULO IV
Dos Defeitos do Negócio Jurídico
Seção I
Do Erro ou Ignorância
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade
emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência
normal, em face das circunstâncias do negócio.
Art. 139. O erro é substancial quando:
I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a
alguma das qualidades a ele essenciais;
II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira
a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo
único ou principal do negócio jurídico.
Código Civil Brasileiro 161
Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como
razão determinante.
Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos
mesmos casos em que o é a declaração direta.
Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração
de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias,
se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.
Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade.
Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a
quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade
da vontade real do manifestante.
Seção II
Do Dolo
Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua
causa.
Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental
quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.
Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes
a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão
dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a
parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário,
ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e
danos da parte a quem ludibriou.
Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado
a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for
do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele
por perdas e danos.
Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para
anular o negócio, ou reclamar indenização.
Seção III
Da Coação
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao
paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família,
ou aos seus bens.
162 Código Civil Brasileiro
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente,
o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.
Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição,
a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam
influir na gravidade dela.
Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito,
nem o simples temor reverencial.
Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou
devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente
com aquele por perdas e danos.
Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a
parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação
responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.
Seção IV
Do Estado de Perigo
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade
de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte,
assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante,
o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
Seção V
Da Lesão
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta.
§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao
tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente,
ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
Seção VI
Da Fraude contra Credores
Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se
os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando
o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus
direitos.
Código Civil Brasileiro 163
§ 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
§ 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a
anulação deles.
Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente,
quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro
contratante.
Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago
o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em
juízo, com a citação de todos os interessados.
Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar
o preço que lhes corresponda ao valor real.
Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor
insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou
terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.
Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento
da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que
se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu.
Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias
de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor.
Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis
à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à
subsistência do devedor e de sua família.
Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em
proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores.
Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais,
mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente
na anulação da preferência ajustada.
CAPÍTULO V
Da Invalidade do Negócio Jurídico
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV – não revestir a forma prescrita em lei;
V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua
validade;
164 Código Civil Brasileiro
VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar
sanção.
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou,
se válido for na substância e na forma.
§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às
quais realmente se conferem, ou transmitem;
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do
negócio jurídico simulado.
Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer
interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer
do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo
permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.
Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce
pelo decurso do tempo.
Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá
este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido,
se houvessem previsto a nulidade.
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio
jurídico:
I – por incapacidade relativa do agente;
II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude
contra credores.
Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de
terceiro.
Art. 173. O ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e
a vontade expressa de mantê-lo.
Art. 174. É escusada a confirmação expressa, quando o negócio já foi cumprido
em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava.
Art. 175. A confirmação expressa, ou a execução voluntária de negócio anulável,
nos termos dos arts. 172 a 174, importa a extinção de todas as ações, ou exceções, de
que contra ele dispusesse o devedor.
Código Civil Brasileiro 165
Art. 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro,
será validado se este a der posteriormente.
Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se
pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente
aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do
negócio jurídico, contado:
I – no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia
em que se realizou o negócio jurídico;
III – no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.
Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo
para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.
Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de
uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela
outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.
Art. 181. Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um
incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga.
Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes
dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.
Art. 183. A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que
este puder provar-se por outro meio.
Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio
jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da
obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da
obrigação principal.
TÍTULO II
Dos Atos Jurídicos Lícitos
Art. 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se,
no que couber, as disposições do Título anterior.
TÍTULO III
Dos Atos Ilícitos
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.
166 Código Civil Brasileiro
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido;
II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de
remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as
circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do
indispensável para a remoção do perigo.
TÍTULO IV
Da Prescrição e da Decadência
CAPÍTULO I
Da Prescrição
Seção I
Disposições Gerais
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue,
pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.
Art. 190. A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão.
Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo
feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia
quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.
Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.
Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte
a quem aproveita.
Art. 194. (Revogado).61
Art. 195. Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os
seus assistentes ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a
alegarem oportunamente.
Art. 196. A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu
sucessor.
61 Lei no
11.280/2006.
Código Civil Brasileiro 167
Seção II
Das Causas que Impedem ou Suspendem a Prescrição
Art. 197. Não corre a prescrição:
I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II – entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a
tutela ou curatela.
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I – contra os incapazes de que trata o art. 3o
;
II – contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou
dos Municípios;
III – contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de
guerra.
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I – pendendo condição suspensiva;
II – não estando vencido o prazo;
III – pendendo ação de evicção.
Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal,
não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.
Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam
os outros se a obrigação for indivisível.
Seção III
Das Causas que Interrompem a Prescrição
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, darse-á:
I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o
interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II – por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III – por protesto cambial;
IV – pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em
concurso de credores;
V – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento
do direito pelo devedor.
168 Código Civil Brasileiro
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que
a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.
Art. 203. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado.
Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros;
semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não
prejudica aos demais coobrigados.
§ 1o A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim
como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus
herdeiros.
§ 2o A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não
prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e
direitos indivisíveis.
§ 3o A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.
Seção IV
Dos Prazos da Prescrição
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor.
Art. 206. Prescreve:
§ 1o Em um ano:
I – a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a
consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos
alimentos;
II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele,
contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em
que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado,
ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III – a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais,
árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;
IV – a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para
a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia
que aprovar o laudo;
V – a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os
liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da
sociedade.
§ 2o Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da
data em que se vencerem.
Código Civil Brasileiro 169
§ 3o Em três anos:
I – a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II – a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou
vitalícias;
III – a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessó-
rias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V – a pretensão de reparação civil;
VI – a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé,
correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;
VII – a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei
ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade
anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balan-
ço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou
assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do
vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX – a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado,
no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
§ 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação
das contas.
§ 5o Em cinco anos:
I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento
público ou particular;
II – a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais,
curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos
serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;
III – a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
CAPÍTULO II
Da Decadência
Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as
normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.
Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I.
170 Código Civil Brasileiro
Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei.
Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida
por lei.
Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la
em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.
TÍTULO V
Da Prova
Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser
provado mediante:
I – confissão;
II – documento;
III – testemunha;
IV – presunção;
V – perícia.
Art. 213. Não tem eficácia a confissão se provém de quem não é capaz de dispor
do direito a que se referem os fatos confessados.
Parágrafo único. Se feita a confissão por um representante, somente é eficaz nos
limites em que este pode vincular o representado.
Art. 214. A confissão é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de
fato ou de coação.
Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado
de fé pública, fazendo prova plena.
§ 1o Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve
conter:
I – data e local de sua realização;
II – reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos hajam
comparecido ao ato, por si, como representantes, intervenientes ou testemunhas;
III – nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das
partes e demais comparecentes, com a indicação, quando necessário, do regime de
bens do casamento, nome do outro cônjuge e filiação;
IV – manifestação clara da vontade das partes e dos intervenientes;
V – referência ao cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à
legitimidade do ato;
VI – declaração de ter sido lida na presença das partes e demais comparecentes,
ou de que todos a leram;
Código Civil Brasileiro 171
VII – assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião
ou seu substituto legal, encerrando o ato.
§ 2o Se algum comparecente não puder ou não souber escrever, outra pessoa
capaz assinará por ele, a seu rogo.
§ 3o A escritura será redigida na língua nacional.
§ 4o Se qualquer dos comparecentes não souber a língua nacional e o tabelião
não entender o idioma em que se expressa, deverá comparecer tradutor público para
servir de intérprete, ou, não o havendo na localidade, outra pessoa capaz que, a juízo
do tabelião, tenha idoneidade e conhecimento bastantes.
§ 5o Se algum dos comparecentes não for conhecido do tabelião, nem puder
identificar-se por documento, deverão participar do ato pelo menos duas testemunhas
que o conheçam e atestem sua identidade.
Art. 216. Farão a mesma prova que os originais as certidões textuais de qualquer
peça judicial, do protocolo das audiências, ou de outro qualquer livro a cargo do
escrivão, sendo extraídas por ele, ou sob a sua vigilância, e por ele subscritas, assim
como os traslados de autos, quando por outro escrivão consertados.
Art. 217. Terão a mesma força probante os traslados e as certidões, extraídos por
tabelião ou oficial de registro, de instrumentos ou documentos lançados em suas
notas.
Art. 218. Os traslados e as certidões considerar-se-ão instrumentos públicos, se os
originais se houverem produzido em juízo como prova de algum ato.
Art. 219. As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras
em relação aos signatários.
Parágrafo único. Não tendo relação direta, porém, com as disposições principais
ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas não eximem os interessados
em sua veracidade do ônus de prová-las.
Art. 220. A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato,
provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio
instrumento.
Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por
quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações
convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se
operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público.
Parágrafo único. A prova do instrumento particular pode suprir-se pelas outras
de caráter legal.
Art. 222. O telegrama, quando lhe for contestada a autenticidade, faz prova mediante
conferência com o original assinado.
172 Código Civil Brasileiro
Art. 223. A cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de notas, valerá
como prova de declaração da vontade, mas, impugnada sua autenticidade, deverá ser
exibido o original.
Parágrafo único. A prova não supre a ausência do título de crédito, ou do original,
nos casos em que a lei ou as circunstâncias condicionarem o exercício do direito à
sua exibição.
Art. 224. Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o
português para ter efeitos legais no País.
Art. 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos
e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de
coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes
impugnar a exatidão.
Art. 226. Os livros e fichas dos empresários e sociedades provam contra as pessoas
a que pertencem, e, em seu favor, quando, escriturados sem vício extrínseco ou
intrínseco, forem confirmados por outros subsídios.
Parágrafo único. A prova resultante dos livros e fichas não é bastante nos casos em
que a lei exige escritura pública, ou escrito particular revestido de requisitos especiais,
e pode ser ilidida pela comprovação da falsidade ou inexatidão dos lançamentos.
Art. 227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se
admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário
mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.
Parágrafo único. Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova testemunhal
é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito.
Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:
I – os menores de dezesseis anos;
II – aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento
para a prática dos atos da vida civil;
III – os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa
dos sentidos que lhes faltam;
IV – o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;
V – os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro
grau de alguma das partes, por consangüinidade, ou afinidade.
Parágrafo único. Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir
o depoimento das pessoas a que se refere este artigo.
Art. 229. Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato:
I – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo;
Código Civil Brasileiro 173
II – a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, parente
em grau sucessível, ou amigo íntimo;
III – que o exponha, ou às pessoas referidas no inciso antecedente, a perigo
de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato.
Art. 230. As presunções, que não as legais, não se admitem nos casos em que a
lei exclui a prova testemunhal.
Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá
aproveitar-se de sua recusa.
Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que
se pretendia obter com o exame.
parte Especial
LIVRO I
Do Direito das Obrigações
TÍTULO I
Das Modalidades das Obrigações
CAPÍTULO I
Das Obrigações de Dar
Seção I
Das Obrigações de Dar Coisa Certa
Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não
mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.
Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor,
antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação
para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo
equivalente e mais perdas e danos.
Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver
a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.
Art. 236. Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar
a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso,
indenização das perdas e danos.
Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e
acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá
o devedor resolver a obrigação.
Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os
pendentes.
174 Código Civil Brasileiro
Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor,
se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados
os seus direitos até o dia da perda.
Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente,
mais perdas e danos.
Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o
credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, observarse-á
o disposto no art. 239.
Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa,
sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização.
Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou
dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias
realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.
Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo,
o disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.
Seção II
Das Obrigações de Dar Coisa Incerta
Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.
Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence
ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a
coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor.
Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente.
Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da
coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito.
CAPÍTULO II
Das Obrigações de Fazer
Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar
a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível.
Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolverse-á
a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.
Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo
executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização
cabível.
Código Civil Brasileiro 175
Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de
autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.
CAPÍTULO III
Das Obrigações de Não Fazer
Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor,
se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.
Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode
exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado
perdas e danos.
Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar
desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento
devido.
CAPÍTULO IV
Das Obrigações Alternativas
Art. 252. Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa
não se estipulou.
§ 1o Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e
parte em outra.
§ 2o Quando a obrigação for de prestações periódicas, a faculdade de opção
poderá ser exercida em cada período.
§ 3o No caso de pluralidade de optantes, não havendo acordo unânime entre eles,
decidirá o juiz, findo o prazo por este assinado para a deliberação.
§ 4o Se o título deferir a opção a terceiro, e este não quiser, ou não puder exercê-
la, caberá ao juiz a escolha se não houver acordo entre as partes.
Art. 253. Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se
tornada inexeqüível, subsistirá o débito quanto à outra.
Art. 254. Se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações,
não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que por
último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar.
Art. 255. Quando a escolha couber ao credor e uma das prestações tornar-se impossível
por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir a prestação subsistente ou o
valor da outra, com perdas e danos; se, por culpa do devedor, ambas as prestações se
tornarem inexeqüíveis, poderá o credor reclamar o valor de qualquer das duas, além
da indenização por perdas e danos.
Art. 256. Se todas as prestações se tornarem impossíveis sem culpa do devedor,
extinguir-se-á a obrigação.
176 Código Civil Brasileiro
CAPÍTULO V
Das Obrigações Divisíveis e Indivisíveis
Art. 257. Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível,
esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os
credores ou devedores.
Art. 258. A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou
um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica,
ou dada a razão determinante do negócio jurídico.
Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada
um será obrigado pela dívida toda.
Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor
em relação aos outros coobrigados.
Art. 260. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida
inteira; mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando:
I – a todos conjuntamente;
II – a um, dando este caução de ratificação dos outros credores.
Art. 261. Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos
outros assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total.
Art. 262. Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com
os outros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente.
Parágrafo único. O mesmo critério se observará no caso de transação, novação,
compensação ou confusão.
Art. 263. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas
e danos.
§ 1o Se, para efeito do disposto neste artigo, houver culpa de todos os devedores,
responderão todos por partes iguais.
§ 2o Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse
pelas perdas e danos.
CAPÍTULO VI
Das Obrigações Solidárias
Seção I
Disposições Gerais
Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um
credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.
Código Civil Brasileiro 177
Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.
Art. 266. A obrigação solidária pode ser pura e simples para um dos co-credores ou
co-devedores, e condicional, ou a prazo, ou pagável em lugar diferente, para o outro.
Seção II
Da Solidariedade Ativa
Art. 267. Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento
da prestação por inteiro.
Art. 268. Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor
comum, a qualquer daqueles poderá este pagar.
Art. 269. O pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até o
montante do que foi pago.
Art. 270. Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes
só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão
hereditário, salvo se a obrigação for indivisível.
Art. 271. Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os
efeitos, a solidariedade.
Art. 272. O credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento responderá
aos outros pela parte que lhes caiba.
Art. 273. A um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções
pessoais oponíveis aos outros.
Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais;
o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal ao
credor que o obteve.
Seção III
Da Solidariedade Passiva
Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores,
parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os
demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.
Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação
pelo credor contra um ou alguns dos devedores.
Art. 276. Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum destes
será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário,
salvo se a obrigação for indivisível; mas todos reunidos serão considerados como um
devedor solidário em relação aos demais devedores.
178 Código Civil Brasileiro
Art. 277. O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele
obtida não aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia
paga ou relevada.
Art. 278. Qualquer cláusula, condição ou obrigação adicional, estipulada entre um
dos devedores solidários e o credor, não poderá agravar a posição dos outros sem
consentimento destes.
Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários,
subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só
responde o culpado.
Art. 280. Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação
tenha sido proposta somente contra um; mas o culpado responde aos outros pela
obrigação acrescida.
Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais
e as comuns a todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a outro co-devedor.
Art. 282. O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou
de todos os devedores.
Parágrafo único. Se o credor exonerar da solidariedade um ou mais devedores,
subsistirá a dos demais.
Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada
um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente,
se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores.
Art. 284. No caso de rateio entre os co-devedores, contribuirão também os exonerados
da solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente.
Art. 285. Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores,
responderá este por toda ela para com aquele que pagar.
TÍTULO II
Da Transmissão das Obrigações
CAPÍTULO I
Da Cessão de Crédito
Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza
da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão
não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da
obrigação.
Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se
todos os seus acessórios.
Código Civil Brasileiro 179
Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não
celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das
solenidades do § 1o
do art. 654.
Art. 289. O cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar a
cessão no registro do imóvel.
Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando
a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou
particular, se declarou ciente da cessão feita.
Art. 291. Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar
com a tradição do título do crédito cedido.
Art. 292. Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão,
paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao
cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando
o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação.
Art. 293. Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o
cessionário exercer os atos conservatórios do direito cedido.
Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem,
bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha
contra o cedente.
Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize,
fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe
cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver
procedido de má-fé.
Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência
do devedor.
Art. 297. O cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não responde
por mais do que daquele recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcirlhe
as despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança.
Art. 298. O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor
que tiver conhecimento da penhora; mas o devedor que o pagar, não tendo notificação
dela, fica exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de terceiro.
CAPÍTULO II
Da Assunção de Dívida
Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento
expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele,
ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.
180 Código Civil Brasileiro
Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que
consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa.
Art. 300. Salvo assentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se extintas,
a partir da assunção da dívida, as garantias especiais por ele originariamente
dadas ao credor.
Art. 301. Se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o débito,
com todas as suas garantias, salvo as garantias prestadas por terceiros, exceto se este
conhecia o vício que inquinava a obrigação.
Art. 302. O novo devedor não pode opor ao credor as exceções pessoais que competiam
ao devedor primitivo.
Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento
do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias a transferência
do débito, entender-se-á dado o assentimento.
TÍTULO III
Do Adimplemento e Extinção das Obrigações
CAPÍTULO I
Do Pagamento
Seção I
De Quem Deve Pagar
Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o
credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em
nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.
Art. 305. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem
direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor.
Parágrafo único. Se pagar antes de vencida a dívida, só terá direito ao reembolso
no vencimento.
Art. 306. O pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição do
devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para
ilidir a ação.
Art. 307. Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade,
quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu.
Parágrafo único. Se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais
reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não
tivesse o direito de aliená-la.
Código Civil Brasileiro 181
Seção II
Daqueles a Quem se Deve Pagar
Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente,
sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu
proveito.
Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado
depois que não era credor.
Art. 310. Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se
o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu.
Art. 311. Considera-se autorizado a receber o pagamento o portador da quitação,
salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante.
Art. 312. Se o devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre
o crédito, ou da impugnação a ele oposta por terceiros, o pagamento não valerá contra
estes, que poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-lhe ressalvado o
regresso contra o credor.
Seção III
Do Objeto do Pagamento e Sua Prova
Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida,
ainda que mais valiosa.
Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode
o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se
ajustou.
Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda
corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes.
Art. 316. É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas.
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta
entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz
corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da
prestação.
Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira,
bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional,
excetuados os casos previstos na legislação especial.
Art. 319. O devedor que paga tem direito a quitação regular, e pode reter o pagamento,
enquanto não lhe seja dada.
182 Código Civil Brasileiro
Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular,
designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por
este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu
representante.
Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a
quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida.
Art. 321. Nos débitos, cuja quitação consista na devolução do título, perdido este,
poderá o devedor exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que inutilize o
título desaparecido.
Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última
estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.
Art. 323. Sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-se
pagos.
Art. 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.
Parágrafo único. Ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor provar,
em sessenta dias, a falta do pagamento.
Art. 325. Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação;
se ocorrer aumento por fato do credor, suportará este a despesa acrescida.
Art. 326. Se o pagamento se houver de fazer por medida, ou peso, entender-se-á,
no silêncio das partes, que aceitaram os do lugar da execução.
Seção IV
Do Lugar do Pagamento
Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes
convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação
ou das circunstâncias.
Parágrafo único. Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher entre
eles.
Art. 328. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações
relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem.
Art. 329. Ocorrendo motivo grave para que se não efetue o pagamento no lugar
determinado, poderá o devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o credor.
Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia
do credor relativamente ao previsto no contrato.
Código Civil Brasileiro 183
Seção V
Do Tempo do Pagamento
Art. 331. Salvo disposição legal em contrário, não tendo sido ajustada época para
o pagamento, pode o credor exigi-lo imediatamente.
Art. 332. As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição,
cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor.
Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo
estipulado no contrato ou marcado neste Código:
I – no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;
II – se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução
por outro credor;
III – se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias,
ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.
Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade
passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.
CAPÍTULO II
Do Pagamento em Consignação
Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou
em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais.
Art. 335. A consignação tem lugar:
I – se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento,
ou dar quitação na devida forma;
II – se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição
devidos;
III – se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente,
ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;
IV – se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do
pagamento;
V – se pender litígio sobre o objeto do pagamento.
Art. 336. Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram,
em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não
é válido o pagamento.
Art. 337. O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que
se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado
improcedente.
184 Código Civil Brasileiro
Art. 338. Enquanto o credor não declarar que aceita o depósito, ou não o impugnar,
poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas despesas, e
subsistindo a obrigação para todas as conseqüências de direito.
Art. 339. Julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo, embora
o credor consinta, senão de acordo com os outros devedores e fiadores.
Art. 340. O credor que, depois de contestar a lide ou aceitar o depósito, aquiescer
no levantamento, perderá a preferência e a garantia que lhe competiam com respeito
à coisa consignada, ficando para logo desobrigados os co-devedores e fiadores que
não tenham anuído.
Art. 341. Se a coisa devida for imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no
mesmo lugar onde está, poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebê-la,
sob pena de ser depositada.
Art. 342. Se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, será ele citado para
esse fim, sob cominação de perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor
escolher; feita a escolha pelo devedor, proceder-se-á como no artigo antecedente.
Art. 343. As despesas com o depósito, quando julgado procedente, correrão à conta
do credor, e, no caso contrário, à conta do devedor.
Art. 344. O devedor de obrigação litigiosa exonerar-se-á mediante consignação,
mas, se pagar a qualquer dos pretendidos credores, tendo conhecimento do litígio,
assumirá o risco do pagamento.
Art. 345. Se a dívida se vencer, pendendo litígio entre credores que se pretendem
mutuamente excluir, poderá qualquer deles requerer a consignação.
CAPÍTULO III
Do Pagamento com Sub-rogação
Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:
I – do credor que paga a dívida do devedor comum;
II – do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como
do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;
III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser
obrigado, no todo ou em parte.
Art. 347. A sub-rogação é convencional:
I – quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe
transfere todos os seus direitos;
II – quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver
a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do
credor satisfeito.
Código Civil Brasileiro 185
Art. 348. Na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto quanto
à cessão do crédito.
Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios
e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os
fiadores.
Art. 350. Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e
as ações do credor, senão até à soma que tiver desembolsado para desobrigar o
devedor.
Art. 351. O credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao subrogado,
na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem para
saldar inteiramente o que a um e outro dever.
CAPÍTULO IV
Da Imputação do Pagamento
Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um
só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem
líquidos e vencidos.
Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas
quer imputar o pagamento, se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a
reclamar contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido
violência ou dolo.
Art. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros
vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar
a quitação por conta do capital.
Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a quitação for omissa
quanto à imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar.
Se as dívidas forem todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á
na mais onerosa.
CAPÍTULO V
Da Dação em Pagamento
Art. 356. O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é
devida.
Art. 357. Determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as
partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda.
Art. 358. Se for título de crédito a coisa dada em pagamento, a transferência importará
em cessão.
186 Código Civil Brasileiro
Art. 359. Se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á
a obrigação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de
terceiros.
CAPÍTULO VI
Da Novação
Art. 360. Dá-se a novação:
I – quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir
a anterior;
II – quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;
III – quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao
antigo, ficando o devedor quite com este.
Art. 361. Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a
segunda obrigação confirma simplesmente a primeira.
Art. 362. A novação por substituição do devedor pode ser efetuada independentemente
de consentimento deste.
Art. 363. Se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação
regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição.
Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não
houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor,
a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro
que não foi parte na novação.
Art. 365. Operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários, somente
sobre os bens do que contrair a nova obrigação subsistem as preferências e garantias
do crédito novado. Os outros devedores solidários ficam por esse fato exonerados.
Art. 366. Importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o
devedor principal.
Art. 367. Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de
novação obrigações nulas ou extintas.
CAPÍTULO VII
Da Compensação
Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra,
as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.
Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas
fungíveis.
Código Civil Brasileiro 187
Art. 370. Embora sejam do mesmo gênero as coisas fungíveis, objeto das duas
prestações, não se compensarão, verificando-se que diferem na qualidade, quando
especificada no contrato.
Art. 371. O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever;
mas o fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado.
Art. 372. Os prazos de favor, embora consagrados pelo uso geral, não obstam a
compensação.
Art. 373. A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto:
I – se provier de esbulho, furto ou roubo;
II – se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos;
III – se uma for de coisa não suscetível de penhora.
Art. 374. (Revogado).62
Art. 375. Não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a exclu-
írem, ou no caso de renúncia prévia de uma delas.
Art. 376. Obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida
com a que o credor dele lhe dever.
Art. 377. O devedor que, notificado, nada opõe à cessão que o credor faz a terceiros
dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão
teria podido opor ao cedente. Se, porém, a cessão lhe não tiver sido notificada, poderá
opor ao cessionário compensação do crédito que antes tinha contra o cedente.
Art. 378. Quando as duas dívidas não são pagáveis no mesmo lugar, não se podem
compensar sem dedução das despesas necessárias à operação.
Art. 379. Sendo a mesma pessoa obrigada por várias dívidas compensáveis, serão
observadas, no compensá-las, as regras estabelecidas quanto à imputação do pagamento.
Art. 380. Não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. O devedor
que se torne credor do seu credor, depois de penhorado o crédito deste, não pode
opor ao exeqüente a compensação, de que contra o próprio credor disporia.
CAPÍTULO VIII
Da Confusão
Art. 381. Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as
qualidades de credor e devedor.
62 Lei no
10.677/2003.
188 Código Civil Brasileiro
Art. 382. A confusão pode verificar-se a respeito de toda a dívida, ou só de parte
dela.
Art. 383. A confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário só extingue
a obrigação até a concorrência da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo
quanto ao mais a solidariedade.
Art. 384. Cessando a confusão, para logo se restabelece, com todos os seus acessórios,
a obrigação anterior.
CAPÍTULO IX
Da Remissão das Dívidas
Art. 385. A remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas
sem prejuízo de terceiro.
Art. 386. A devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito particular,
prova desoneração do devedor e seus co-obrigados, se o credor for capaz de
alienar, e o devedor capaz de adquirir.
Art. 387. A restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do credor
à garantia real, não a extinção da dívida.
Art. 388. A remissão concedida a um dos co-devedores extingue a dívida na parte
a ele correspondente; de modo que, ainda reservando o credor a solidariedade contra
os outros, já lhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida.
TÍTULO IV
Do Inadimplemento das Obrigações
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais
juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e
honorários de advogado.
Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o
dia em que executou o ato de que se devia abster.
Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.
Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem
o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos,
responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.
Código Civil Brasileiro 189
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário,
cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
CAPÍTULO II
Da Mora
Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o
credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção
estabelecer.
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros,
atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos,
e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este
poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.
Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este
em mora.
Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui
de pleno direito em mora o devedor.
Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação
judicial ou extrajudicial.
Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em
mora, desde que o praticou.
Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora
essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem
durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda
quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.
Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade
pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em
conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu
valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.
Art. 401. Purga-se a mora:
I – por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos
prejuízos decorrentes do dia da oferta;
II – por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitandose
aos efeitos da mora até a mesma data.
190 Código Civil Brasileiro
CAPÍTULO III
Das Perdas e Danos
Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos
devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente
deixou de lucrar.
Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só
incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato,
sem prejuízo do disposto na lei processual.
Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas
com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo
juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo
pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.
Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.
CAPÍTULO IV
Dos Juros Legais
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem
taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a
taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda
Nacional.
Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora
que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza,
uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento,
ou acordo entre as partes.
CAPÍTULO V
Da Cláusula Penal
Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente,
deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.
Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato
posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula
especial ou simplesmente à mora.
Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento
da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.
Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança
especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação
da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.
Código Civil Brasileiro 191
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal.
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente
excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um
deles, incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado,
respondendo cada um dos outros somente pela sua quota.
Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra aquele
que deu causa à aplicação da pena.
Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o
herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.
Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue
prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não
pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o
tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar
o prejuízo excedente.
CAPÍTULO VI
Das Arras ou Sinal
Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título
de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser
restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.
Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo
por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem
as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com
atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e
honorários de advogado.
Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior
prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir
a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da
indenização.
Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer
das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem
as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais
o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.
192 Código Civil Brasileiro
TÍTULO V
Dos Contratos em Geral
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Seção I
Preliminares
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias,
dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais
fixadas neste Código.
Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.
Seção II
Da Formação dos Contratos
Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar
dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.
Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:
I – se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita.
Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de
comunicação semelhante;
II – se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para
chegar a resposta ao conhecimento do proponente;
III – se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do
prazo dado;
IV – se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra
parte a retratação do proponente.
Art. 429. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos
essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos.
Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação,
desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada.
Código Civil Brasileiro 193
Art. 430. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento
do proponente, este comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de
responder por perdas e danos.
Art. 431. A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações,
importará nova proposta.
Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa,
ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando
a tempo a recusa.
Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao
proponente a retratação do aceitante.
Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é
expedida, exceto:
I – no caso do artigo antecedente;
II – se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;
III – se ela não chegar no prazo convencionado.
Art. 435. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.
Seção III
Da Estipulação em Favor de Terceiro
Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.
Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também
é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se
a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438.
Art. 437. Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de
reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor.
Art. 438. O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado
no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante.
Parágrafo único. A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição
de última vontade.
Seção IV
Da Promessa de Fato de Terceiro
Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e
danos, quando este o não executar.
194 Código Civil Brasileiro
Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do
promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime
do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens.
Art. 440. Nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem, se
este, depois de se ter obrigado, faltar à prestação.
Seção V
Dos Vícios Redibitórios
Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada
por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou
lhe diminuam o valor.
Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.
Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente
reclamar abatimento no preço.
Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu
com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido,
mais as despesas do contrato.
Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em
poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição.
Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço
no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega
efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.
§ 1o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo
contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e
oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.
§ 2o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos
serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se
o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.
Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula
de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias
seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.
Seção VI
Da Evicção
Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta
garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.
Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a
responsabilidade pela evicção.
Código Civil Brasileiro 195
Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se
der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube
do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.
Art. 450. Salvo estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da restituição
integral do preço ou das quantias que pagou:
I – à indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;
II – à indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente
resultarem da evicção;
III – às custas judiciais e aos honorários do advogado por ele constituído.
Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da
coisa, na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de
evicção parcial.
Art. 451. Subsiste para o alienante esta obrigação, ainda que a coisa alienada esteja
deteriorada, exceto havendo dolo do adquirente.
Art. 452. Se o adquirente tiver auferido vantagens das deteriorações, e não tiver
sido condenado a indenizá-las, o valor das vantagens será deduzido da quantia que
lhe houver de dar o alienante.
Art. 453. As benfeitorias necessárias ou úteis, não abonadas ao que sofreu a evic-
ção, serão pagas pelo alienante.
Art. 454. Se as benfeitorias abonadas ao que sofreu a evicção tiverem sido feitas
pelo alienante, o valor delas será levado em conta na restituição devida.
Art. 455. Se parcial, mas considerável, for a evicção, poderá o evicto optar entre
a rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque
sofrido. Se não for considerável, caberá somente direito a indenização.
Art. 456. Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente
notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como
lhe determinarem as leis do processo.
Parágrafo único. Não atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo manifesta
a procedência da evicção, pode o adquirente deixar de oferecer contestação,
ou usar de recursos.
Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era
alheia ou litigiosa.
Seção VII
Dos Contratos Aleatórios
Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros,
cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito
196 Código Civil Brasileiro
de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha
havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.
Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente
a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o
alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que
a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.
Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o
alienante restituirá o preço recebido.
Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas
a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço,
posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato.
Art. 461. A alienação aleatória a que se refere o artigo antecedente poderá ser anulada
como dolosa pelo prejudicado, se provar que o outro contratante não ignorava a
consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa.
Seção VIII
Do Contrato Preliminar
Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos
essenciais ao contrato a ser celebrado.
Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo
antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das
partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para
que o efetive.
Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.
Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade
da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se
a isto se opuser a natureza da obrigação.
Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra
parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.
Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a
mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este,
no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor.
Seção IX
Do Contrato com Pessoa a Declarar
Art. 467. No momento da conclusão do contrato, pode uma das partes reservar-se
a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e assumir as obrigações
dele decorrentes.
Código Civil Brasileiro 197
Art. 468. Essa indicação deve ser comunicada à outra parte no prazo de cinco dias
da conclusão do contrato, se outro não tiver sido estipulado.
Parágrafo único. A aceitação da pessoa nomeada não será eficaz se não se revestir
da mesma forma que as partes usaram para o contrato.
Art. 469. A pessoa, nomeada de conformidade com os artigos antecedentes, adquire
os direitos e assume as obrigações decorrentes do contrato, a partir do momento em
que este foi celebrado.
Art. 470. O contrato será eficaz somente entre os contratantes originários:
I – se não houver indicação de pessoa, ou se o nomeado se recusar a aceitá-la;
II – se a pessoa nomeada era insolvente, e a outra pessoa o desconhecia no
momento da indicação.
Art. 471. Se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momento da nomeação,
o contrato produzirá seus efeitos entre os contratantes originários.
CAPÍTULO II
Da Extinção do Contrato
Seção I
Do Distrato
Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.
Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente
o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver
feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só
produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto
dos investimentos.
Seção II
Da Cláusula Resolutiva
Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende
de interpelação judicial.
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se
não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização
por perdas e danos.
Seção III
Da Exceção de Contrato Não Cumprido
Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a
sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
198 Código Civil Brasileiro
Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes
diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação
pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que
aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.
Seção IV
Da Resolução por Onerosidade Excessiva
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das
partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude
de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução
do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente
as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá
ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a
fim de evitar a onerosidade excessiva.
TÍTULO VI
Das Várias Espécies de Contrato
CAPÍTULO I
Da Compra e Venda
Seção I
Disposições Gerais
Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir
o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita,
desde que as partes acordarem no objeto e no preço.
Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso,
ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes
era de concluir contrato aleatório.
Art. 484. Se a venda se realizar à vista de amostras, protótipos ou modelos, entenderse-á
que o vendedor assegura ter a coisa as qualidades que a elas correspondem.
Parágrafo único. Prevalece a amostra, o protótipo ou o modelo, se houver contradição
ou diferença com a maneira pela qual se descreveu a coisa no contrato.
Art. 485. A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os
contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não aceitar a
Código Civil Brasileiro 199
incumbência, ficará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem os contratantes
designar outra pessoa.
Art. 486. Também se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de
bolsa, em certo e determinado dia e lugar.
Art. 487. É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde
que suscetíveis de objetiva determinação.
Art. 488. Convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a sua
determinação, se não houver tabelamento oficial, entende-se que as partes se sujeitaram
ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor.
Parágrafo único. Na falta de acordo, por ter havido diversidade de preço, prevalecerá
o termo médio.
Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo
de uma das partes a fixação do preço.
Art. 490. Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a
cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.
Art. 491. Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a
coisa antes de receber o preço.
Art. 492. Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor,
e os do preço por conta do comprador.
§ 1o Todavia, os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar
coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e
que já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão por conta deste.
§ 2o Correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas,
se estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no tempo, lugar e
pelo modo ajustados.
Art. 493. A tradição da coisa vendida, na falta de estipulação expressa, dar-se-á
no lugar onde ela se encontrava, ao tempo da venda.
Art. 494. Se a coisa for expedida para lugar diverso, por ordem do comprador, por
sua conta correrão os riscos, uma vez entregue a quem haja de transportá-la, salvo se
das instruções dele se afastar o vendedor.
Art. 495. Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o
comprador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa, até
que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado.
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes
e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
200 Código Civil Brasileiro
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge
se o regime de bens for o da separação obrigatória.
Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta
pública:
I – pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados
à sua guarda ou administração;
II – pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica
a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;
III – pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários
ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal,
juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade;
IV – pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.
Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.
Art. 498. A proibição contida no inciso III do artigo antecedente, não compreende
os casos de compra e venda ou cessão entre co-herdeiros, ou em pagamento de dívida,
ou para garantia de bens já pertencentes a pessoas designadas no referido inciso.
Art. 499. É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos
da comunhão.
Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão,
ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos,
às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e,
não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional
ao preço.
§ 1o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa,
quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada,
ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria
realizado o negócio.
§ 2o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos
para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha,
completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.
§ 3o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for
vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às
suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.
Art. 501. Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vendedor
ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do registro do título.
Parágrafo único. Se houver atraso na imissão de posse no imóvel, atribuível ao
alienante, a partir dela fluirá o prazo de decadência.
Código Civil Brasileiro 201
Art. 502. O vendedor, salvo convenção em contrário, responde por todos os débitos
que gravem a coisa até o momento da tradição.
Art. 503. Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza
a rejeição de todas.
Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos,
se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der
conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a
estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.
Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias
de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem
iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando
previamente o preço.
Seção II
Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda
Subseção I
Da Retrovenda
Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no
prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando
as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram
com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.
Art. 506. Se o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus, o vendedor,
para exercer o direito de resgate, as depositará judicialmente.
Parágrafo único. Verificada a insuficiência do depósito judicial, não será o
vendedor restituído no domínio da coisa, até e enquanto não for integralmente pago
o comprador.
Art. 507. O direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários,
poderá ser exercido contra o terceiro adquirente.
Art. 508. Se a duas ou mais pessoas couber o direito de retrato sobre o mesmo
imóvel, e só uma o exercer, poderá o comprador intimar as outras para nele acordarem,
prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que
seja integral.
Subseção II
Da Venda a Contento e da Sujeita a Prova
Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condi-
ção suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita,
enquanto o adquirente não manifestar seu agrado.
202 Código Civil Brasileiro
Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva
de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea
para o fim a que se destina.
Art. 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob
condição suspensiva, a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não
manifeste aceitá-la.
Art. 512. Não havendo prazo estipulado para a declaração do comprador, o vendedor
terá direito de intimá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que o faça em
prazo improrrogável.
Subseção III
Da Preempção ou Preferência
Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer
ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use
de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.
Parágrafo único. O prazo para exercer o direito de preferência não poderá exceder
a cento e oitenta dias, se a coisa for móvel, ou a dois anos, se imóvel.
Art. 514. O vendedor pode também exercer o seu direito de prelação, intimando
o comprador, quando lhe constar que este vai vender a coisa.
Art. 515. Aquele que exerce a preferência está, sob pena de a perder, obrigado a
pagar, em condições iguais, o preço encontrado, ou o ajustado.
Art. 516. Inexistindo prazo estipulado, o direito de preempção caducará, se a coisa
for móvel, não se exercendo nos três dias, e, se for imóvel, não se exercendo nos
sessenta dias subseqüentes à data em que o comprador tiver notificado o vendedor.
Art. 517. Quando o direito de preempção for estipulado a favor de dois ou mais
indivíduos em comum, só pode ser exercido em relação à coisa no seu todo. Se alguma
das pessoas, a quem ele toque, perder ou não exercer o seu direito, poderão as demais
utilizá-lo na forma sobredita.
Art. 518. Responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter
dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá
solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé.
Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou
por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada
em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo
preço atual da coisa.
Art. 520. O direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros.
Código Civil Brasileiro 203
Subseção IV
Da Venda com Reserva de Domínio
Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade,
até que o preço esteja integralmente pago.
Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende
de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.
Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível
de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se
a favor do terceiro adquirente de boa-fé.
Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o
preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador,
a partir de quando lhe foi entregue.
Art. 525. O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio
após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação
judicial.
Art. 526. Verificada a mora do comprador, poderá o vendedor mover contra ele a
competente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe
for devido; ou poderá recuperar a posse da coisa vendida.
Art. 527. Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor reter
as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas
feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador;
e o que faltar lhe será cobrado, tudo na forma da lei processual.
Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante
financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos
e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira
e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato.
Subseção V
Da Venda sobre Documentos
Art. 529. Na venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega
do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no
silêncio deste, pelos usos.
Parágrafo único. Achando-se a documentação em ordem, não pode o comprador
recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida,
salvo se o defeito já houver sido comprovado.
Art. 530. Não havendo estipulação em contrário, o pagamento deve ser efetuado
na data e no lugar da entrega dos documentos.
204 Código Civil Brasileiro
Art. 531. Se entre os documentos entregues ao comprador figurar apólice de seguro
que cubra os riscos do transporte, correm estes à conta do comprador, salvo se, ao ser
concluído o contrato, tivesse o vendedor ciência da perda ou avaria da coisa.
Art. 532. Estipulado o pagamento por intermédio de estabelecimento bancário,
caberá a este efetuá-lo contra a entrega dos documentos, sem obrigação de verificar
a coisa vendida, pela qual não responde.
Parágrafo único. Nesse caso, somente após a recusa do estabelecimento bancário
a efetuar o pagamento, poderá o vendedor pretendê-lo, diretamente do comprador.
CAPÍTULO II
Da Troca ou Permuta
Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as
seguintes modificações:
I – salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade
as despesas com o instrumento da troca;
II – é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes,
sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.
CAPÍTULO III
Do Contrato Estimatório
Art. 534. Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consignatário,
que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se
preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada.
Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a
restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a
ele não imputável.
Art. 536. A coisa consignada não pode ser objeto de penhora ou seqüestro pelos
credores do consignatário, enquanto não pago integralmente o preço.
Art. 537. O consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituída ou de
lhe ser comunicada a restituição.
CAPÍTULO IV
Da Doação
Seção I
Disposições Gerais
Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade,
transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
Código Civil Brasileiro 205
Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a
liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração,
entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.
Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde
o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no
excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.
Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.
Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e
de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.
Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante
legal.
Art. 543. Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde
que se trate de doação pura.
Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro,
importa adiantamento do que lhes cabe por herança.
Art. 545. A doação em forma de subvenção periódica ao beneficiado extingue-se
morrendo o doador, salvo se este outra coisa dispuser, mas não poderá ultrapassar a
vida do donatário.
Art. 546. A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada
pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos,
ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta
de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar.
Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio,
se sobreviver ao donatário.
Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.
Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente
para a subsistência do doador.
Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador,
no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo
outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida
a sociedade conjugal.
Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa
entende-se distribuída entre elas por igual.
206 Código Civil Brasileiro
Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá
na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.
Art. 552. O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeito às
conseqüências da evicção ou do vício redibitório. Nas doações para casamento com
certa e determinada pessoa, o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em
contrário.
Art. 553. O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a
benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral.
Parágrafo único. Se desta última espécie for o encargo, o Ministério Público
poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito.
Art. 554. A doação a entidade futura caducará se, em dois anos, esta não estiver
constituída regularmente.
Seção II
Da Revogação da Doação
Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução
do encargo.
Art. 556. Não se pode renunciar antecipadamente o direito de revogar a liberalidade
por ingratidão do donatário.
Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações:
I – se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio
doloso contra ele;
II – se cometeu contra ele ofensa física;
III – se o injuriou gravemente ou o caluniou;
IV – se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este
necessitava.
Art. 558. Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido, nos casos do
artigo anterior, for o cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão
do doador.
Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de
um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar,
e de ter sido o donatário o seu autor.
Art. 560. O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador,
nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo
doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de
ajuizada a lide.
Código Civil Brasileiro 207
Art. 561. No caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus herdeiros,
exceto se aquele houver perdoado.
Art. 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o
donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá
notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a
obrigação assumida.
Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por
terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação
válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie
as coisas doadas, a indenizá-la pelo meio termo do seu valor.
Art. 564. Não se revogam por ingratidão:
I – as doações puramente remuneratórias;
II – as oneradas com encargo já cumprido;
III – as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural;
IV – as feitas para determinado casamento.
CAPÍTULO V
Da Locação de Coisas
Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo
determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.
Art. 566. O locador é obrigado:
I – a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de
servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato,
salvo cláusula expressa em contrário;
II – a garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa.
Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário,
a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já
não sirva a coisa para o fim a que se destinava.
Art. 568. O locador resguardará o locatário dos embaraços e turbações de terceiros,
que tenham ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada, e responderá pelos seus
vícios, ou defeitos, anteriores à locação.
Art. 569. O locatário é obrigado:
I – a servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos,
conforme a natureza dela e as circunstâncias, bem como tratá-la com o mesmo cuidado
como se sua fosse;
208 Código Civil Brasileiro
II – a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste,
segundo o costume do lugar;
III – a levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros, que se
pretendam fundadas em direito;
IV – a restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as
deteriorações naturais ao uso regular.
Art. 570. Se o locatário empregar a coisa em uso diverso do ajustado, ou do a que
se destina, ou se ela se danificar por abuso do locatário, poderá o locador, além de
rescindir o contrato, exigir perdas e danos.
Art. 571. Havendo prazo estipulado à duração do contrato, antes do vencimento
não poderá o locador reaver a coisa alugada, senão ressarcindo ao locatário as perdas
e danos resultantes, nem o locatário devolvê-la ao locador, senão pagando, proporcionalmente,
a multa prevista no contrato.
Parágrafo único. O locatário gozará do direito de retenção, enquanto não for
ressarcido.
Art. 572. Se a obrigação de pagar o aluguel pelo tempo que faltar constituir indenização
excessiva, será facultado ao juiz fixá-la em bases razoáveis.
Art. 573. A locação por tempo determinado cessa de pleno direito findo o prazo
estipulado, independentemente de notificação ou aviso.
Art. 574. Se, findo o prazo, o locatário continuar na posse da coisa alugada, sem
oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação pelo mesmo aluguel, mas
sem prazo determinado.
Art. 575. Se, notificado o locatário, não restituir a coisa, pagará, enquanto a tiver
em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que ela venha
a sofrer, embora proveniente de caso fortuito.
Parágrafo único. Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o
juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade.
Art. 576. Se a coisa for alienada durante a locação, o adquirente não ficará obrigado
a respeitar o contrato, se nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso
de alienação, e não constar de registro.
§ 1o O registro a que se refere este artigo será o de Títulos e Documentos do
domicílio do locador, quando a coisa for móvel; e será o Registro de Imóveis da
respectiva circunscrição, quando imóvel.
§ 2o Em se tratando de imóvel, e ainda no caso em que o locador não esteja
obrigado a respeitar o contrato, não poderá ele despedir o locatário, senão observado
o prazo de noventa dias após a notificação.
Art. 577. Morrendo o locador ou o locatário, transfere-se aos seus herdeiros a
locação por tempo determinado.
Código Civil Brasileiro 209
Art. 578. Salvo disposição em contrário, o locatário goza do direito de retenção,
no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis, se estas houverem
sido feitas com expresso consentimento do locador.
CAPÍTULO VI
Do Empréstimo
Seção I
Do Comodato
Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se
com a tradição do objeto.
Art. 580. Os tutores, curadores e em geral todos os administradores de bens alheios
não poderão dar em comodato, sem autorização especial, os bens confiados à sua
guarda.
Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário
para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista
e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes
de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.
Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa
emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela,
sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além
de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo
comodante.
Art. 583. Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do comodatário,
antepuser este a salvação dos seus abandonando o do comodante, responderá
pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou força maior.
Art. 584. O comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas
feitas com o uso e gozo da coisa emprestada.
Art. 585. Se duas ou mais pessoas forem simultaneamente comodatárias de uma
coisa, ficarão solidariamente responsáveis para com o comodante.
Seção II
Do Mútuo
Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado
a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e
quantidade.
Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário,
por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.
210 Código Civil Brasileiro
Art. 588. O mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja
guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.
Art. 589. Cessa a disposição do artigo antecedente:
I – se a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o
empréstimo, o ratificar posteriormente;
II – se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o
empréstimo para os seus alimentos habituais;
III – se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho. Mas, em tal caso, a
execução do credor não lhes poderá ultrapassar as forças;
IV – se o empréstimo reverteu em benefício do menor;
V – se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.
Art. 590. O mutuante pode exigir garantia da restituição, se antes do vencimento
o mutuário sofrer notória mudança em sua situação econômica.
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros,
os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406,
permitida a capitalização anual.
Art. 592. Não se tendo convencionado expressamente, o prazo do mútuo será:
I – até a próxima colheita, se o mútuo for de produtos agrícolas, assim para o
consumo, como para semeadura;
II – de trinta dias, pelo menos, se for de dinheiro;
III – do espaço de tempo que declarar o mutuante, se for de qualquer outra
coisa fungível.
CAPÍTULO VII
Da Prestação de Serviço
Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a
lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.
Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode
ser contratada mediante retribuição.
Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não
souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por
duas testemunhas.
Art. 596. Não se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-á por
arbitramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua
qualidade.
Código Civil Brasileiro 211
Art. 597. A retribuição pagar-se-á depois de prestado o serviço, se, por convenção,
ou costume, não houver de ser adiantada, ou paga em prestações.
Art. 598. A prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de quatro
anos, embora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta,
ou se destine à execução de certa e determinada obra. Neste caso, decorridos quatro
anos, dar-se-á por findo o contrato, ainda que não concluída a obra.
Art. 599. Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do
contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante prévio
aviso, pode resolver o contrato.
Parágrafo único. Dar-se-á o aviso:
I – com antecedência de oito dias, se o salário se houver fixado por tempo de
um mês, ou mais;
II – com antecipação de quatro dias, se o salário se tiver ajustado por semana,
ou quinzena;
III – de véspera, quando se tenha contratado por menos de sete dias.
Art. 600. Não se conta no prazo do contrato o tempo em que o prestador de serviço,
por culpa sua, deixou de servir.
Art. 601. Não sendo o prestador de serviço contratado para certo e determinado
trabalho, entender-se-á que se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com as
suas forças e condições.
Art. 602. O prestador de serviço contratado por tempo certo, ou por obra determinada,
não se pode ausentar, ou despedir, sem justa causa, antes de preenchido o
tempo, ou concluída a obra.
Parágrafo único. Se se despedir sem justa causa, terá direito à retribuição vencida,
mas responderá por perdas e danos. O mesmo dar-se-á, se despedido por justa causa.
Art. 603. Se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte
será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe
tocaria de então ao termo legal do contrato.
Art. 604. Findo o contrato, o prestador de serviço tem direito a exigir da outra parte
a declaração de que o contrato está findo. Igual direito lhe cabe, se for despedido sem
justa causa, ou se tiver havido motivo justo para deixar o serviço.
Art. 605. Nem aquele a quem os serviços são prestados, poderá transferir a outrem
o direito aos serviços ajustados, nem o prestador de serviços, sem aprazimento da
outra parte, dar substituto que os preste.
Art. 606. Se o serviço for prestado por quem não possua título de habilitação, ou
não satisfaça requisitos outros estabelecidos em lei, não poderá quem os prestou cobrar
212 Código Civil Brasileiro
a retribuição normalmente correspondente ao trabalho executado. Mas se deste resultar
benefício para a outra parte, o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação
razoável, desde que tenha agido com boa-fé.
Parágrafo único. Não se aplica a segunda parte deste artigo, quando a proibição
da prestação de serviço resultar de lei de ordem pública.
Art. 607. O contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das
partes. Termina, ainda, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra, pela rescisão
do contrato mediante aviso prévio, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela
impossibilidade da continuação do contrato, motivada por força maior.
Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço
a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito,
houvesse de caber durante dois anos.
Art. 609. A alienação do prédio agrícola, onde a prestação dos serviços se opera,
não importa a rescisão do contrato, salvo ao prestador opção entre continuá-lo com
o adquirente da propriedade ou com o primitivo contratante.
CAPÍTULO VIII
Da Empreitada
Art. 610. O empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela só com seu trabalho
ou com ele e os materiais.
§ 1o A obrigação de fornecer os materiais não se presume; resulta da lei ou da
vontade das partes.
§ 2o O contrato para elaboração de um projeto não implica a obrigação de executá-
lo, ou de fiscalizar-lhe a execução.
Art. 611. Quando o empreiteiro fornece os materiais, correm por sua conta os riscos
até o momento da entrega da obra, a contento de quem a encomendou, se este não
estiver em mora de receber. Mas se estiver, por sua conta correrão os riscos.
Art. 612. Se o empreiteiro só forneceu mão-de-obra, todos os riscos em que não
tiver culpa correrão por conta do dono.
Art. 613. Sendo a empreitada unicamente de lavor (art. 610), se a coisa perecer
antes de entregue, sem mora do dono nem culpa do empreiteiro, este perderá a retribuição,
se não provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em tempo
reclamara contra a sua quantidade ou qualidade.
Art. 614. Se a obra constar de partes distintas, ou for de natureza das que se determinam
por medida, o empreiteiro terá direito a que também se verifique por medida,
ou segundo as partes em que se dividir, podendo exigir o pagamento na proporção
da obra executada.
§ 1o Tudo o que se pagou presume-se verificado.
Código Civil Brasileiro 213
§ 2o O que se mediu presume-se verificado se, em trinta dias, a contar da medição,
não forem denunciados os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por quem estiver
incumbido da sua fiscalização.
Art. 615. Concluída a obra de acordo com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono
é obrigado a recebê-la. Poderá, porém, rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou das
instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal
natureza.
Art. 616. No caso da segunda parte do artigo antecedente, pode quem encomendou
a obra, em vez de enjeitá-la, recebê-la com abatimento no preço.
Art. 617. O empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que recebeu, se por imperícia
ou negligência os inutilizar.
Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis,
o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível
de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais,
como do solo.
Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que
não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento
do vício ou defeito.
Art. 619. Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar
uma obra, segundo plano aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir
acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser
que estas resultem de instruções escritas do dono da obra.
Parágrafo único. Ainda que não tenha havido autorização escrita, o dono da
obra é obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e acréscimos, segundo o que for
arbitrado, se, sempre presente à obra, por continuadas visitas, não podia ignorar o
que se estava passando, e nunca protestou.
Art. 620. Se ocorrer diminuição no preço do material ou da mão-de-obra superior
a um décimo do preço global convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do
dono da obra, para que se lhe assegure a diferença apurada.
Art. 621. Sem anuência de seu autor, não pode o proprietário da obra introduzir
modificações no projeto por ele aprovado, ainda que a execução seja confiada a terceiros,
a não ser que, por motivos supervenientes ou razões de ordem técnica, fique
comprovada a inconveniência ou a excessiva onerosidade de execução do projeto
em sua forma originária.
Parágrafo único. A proibição deste artigo não abrange alterações de pouca monta,
ressalvada sempre a unidade estética da obra projetada.
Art. 622. Se a execução da obra for confiada a terceiros, a responsabilidade do
autor do projeto respectivo, desde que não assuma a direção ou fiscalização daquela,
214 Código Civil Brasileiro
ficará limitada aos danos resultantes de defeitos previstos no art. 618 e seu parágrafo
único.
Art. 623. Mesmo após iniciada a construção, pode o dono da obra suspendê-la,
desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos,
mais indenização razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída
a obra.
Art. 624. Suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o empreiteiro
por perdas e danos.
Art. 625. Poderá o empreiteiro suspender a obra:
I – por culpa do dono, ou por motivo de força maior;
II – quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisí-
veis de execução, resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes,
de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser
ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele elaborado, observados os preços;
III – se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natureza,
forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar
com o acréscimo de preço.
Art. 626. Não se extingue o contrato de empreitada pela morte de qualquer das
partes, salvo se ajustado em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro.
CAPÍTULO IX
Do Depósito
Seção I
Do Depósito Voluntário
Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para
guardar, até que o depositante o reclame.
Art. 628. O contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrá-
rio, se resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão.
Parágrafo único. Se o depósito for oneroso e a retribuição do depositário não
constar de lei, nem resultar de ajuste, será determinada pelos usos do lugar, e, na falta
destes, por arbitramento.
Art. 629. O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada
o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la,
com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante.
Art. 630. Se o depósito se entregou fechado, colado, selado, ou lacrado, nesse
mesmo estado se manterá.
Código Civil Brasileiro 215
Art. 631. Salvo disposição em contrário, a restituição da coisa deve dar-se no
lugar em que tiver de ser guardada. As despesas de restituição correm por conta do
depositante.
Art. 632. Se a coisa houver sido depositada no interesse de terceiro, e o depositário
tiver sido cientificado deste fato pelo depositante, não poderá ele exonerar-se
restituindo a coisa a este, sem consentimento daquele.
Art. 633. Ainda que o contrato fixe prazo à restituição, o depositário entregará
o depósito logo que se lhe exija, salvo se tiver o direito de retenção a que se refere
o art. 644, se o objeto for judicialmente embargado, se sobre ele pender execução,
notificada ao depositário, ou se houver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi
dolosamente obtida.
Art. 634. No caso do artigo antecedente, última parte, o depositário, expondo o
fundamento da suspeita, requererá que se recolha o objeto ao Depósito Público.
Art. 635. Ao depositário será facultado, outrossim, requerer depósito judicial da
coisa, quando, por motivo plausível, não a possa guardar, e o depositante não queira
recebê-la.
Art. 636. O depositário, que por força maior houver perdido a coisa depositada
e recebido outra em seu lugar, é obrigado a entregar a segunda ao depositante, e
ceder-lhe as ações que no caso tiver contra o terceiro responsável pela restituição
da primeira.
Art. 637. O herdeiro do depositário, que de boa-fé vendeu a coisa depositada, é
obrigado a assistir o depositante na reivindicação, e a restituir ao comprador o preço
recebido.
Art. 638. Salvo os casos previstos nos arts. 633 e 634, não poderá o depositário
furtar-se à restituição do depósito, alegando não pertencer a coisa ao depositante, ou
opondo compensação, exceto se noutro depósito se fundar.
Art. 639. Sendo dois ou mais depositantes, e divisível a coisa, a cada um só entregará
o depositário a respectiva parte, salvo se houver entre eles solidariedade.
Art. 640. Sob pena de responder por perdas e danos, não poderá o depositário,
sem licença expressa do depositante, servir-se da coisa depositada, nem a dar em
depósito a outrem.
Parágrafo único. Se o depositário, devidamente autorizado, confiar a coisa em
depósito a terceiro, será responsável se agiu com culpa na escolha deste.
Art. 641. Se o depositário se tornar incapaz, a pessoa que lhe assumir a administra-
ção dos bens diligenciará imediatamente restituir a coisa depositada e, não querendo ou
não podendo o depositante recebê-la, recolhê-la-á ao Depósito Público ou promoverá
nomeação de outro depositário.
216 Código Civil Brasileiro
Art. 642. O depositário não responde pelos casos de força maior; mas, para que
lhe valha a escusa, terá de prová-los.
Art. 643. O depositante é obrigado a pagar ao depositário as despesas feitas com
a coisa, e os prejuízos que do depósito provierem.
Art. 644. O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague a retribuição
devida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo anterior,
provando imediatamente esses prejuízos ou essas despesas.
Parágrafo único. Se essas dívidas, despesas ou prejuízos não forem provados
suficientemente, ou forem ilíquidos, o depositário poderá exigir caução idônea do
depositante ou, na falta desta, a remoção da coisa para o Depósito Público, até que
se liquidem.
Art. 645. O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir
objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto
acerca do mútuo.
Art. 646. O depósito voluntário provar-se-á por escrito.
Seção II
Do Depósito Necessário
Art. 647. É depósito necessário:
I – o que se faz em desempenho de obrigação legal;
II – o que se efetua por ocasião de alguma calamidade, como o incêndio, a
inundação, o naufrágio ou o saque.
Art. 648. O depósito a que se refere o inciso I do artigo antecedente, reger-se-á
pela disposição da respectiva lei, e, no silêncio ou deficiência dela, pelas concernentes
ao depósito voluntário.
Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se aos depósitos previstos
no inciso II do artigo antecedente, podendo estes certificarem-se por qualquer meio
de prova.
Art. 649. Aos depósitos previstos no artigo antecedente é equiparado o das bagagens
dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde estiverem.
Parágrafo único. Os hospedeiros responderão como depositários, assim como
pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus
estabelecimentos.
Art. 650. Cessa, nos casos do artigo antecedente, a responsabilidade dos hospedeiros,
se provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes ou hóspedes não podiam
ter sido evitados.
Código Civil Brasileiro 217
Art. 651. O depósito necessário não se presume gratuito. Na hipótese do art. 649,
a remuneração pelo depósito está incluída no preço da hospedagem.
Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir
quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano,
e ressarcir os prejuízos.
CAPÍTULO X
Do Mandato
Seção I
Disposições Gerais
Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em
seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do
mandato.
Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento
particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.
§ 1o O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado,
a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a
designação e a extensão dos poderes conferidos.
§ 2o O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração
traga a firma reconhecida.
Art. 655. Ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode
substabelecer-se mediante instrumento particular.
Art. 656. O mandato pode ser expresso ou tácito, verbal ou escrito.
Art. 657. A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a
ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por
escrito.
Art. 658. O mandato presume-se gratuito quando não houver sido estipulada
retribuição, exceto se o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata
por ofício ou profissão lucrativa.
Parágrafo único. Se o mandato for oneroso, caberá ao mandatário a retribuição
prevista em lei ou no contrato. Sendo estes omissos, será ela determinada pelos usos
do lugar, ou, na falta destes, por arbitramento.
Art. 659. A aceitação do mandato pode ser tácita, e resulta do começo de execução.
Art. 660. O mandato pode ser especial a um ou mais negócios determinadamente,
ou geral a todos os do mandante.
Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.
218 Código Civil Brasileiro
§ 1o Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que
exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais
e expressos.
§ 2o O poder de transigir não importa o de firmar compromisso.
Art. 662. Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes
suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo
se este os ratificar.
Parágrafo único. A ratificação há de ser expressa, ou resultar de ato inequívoco,
e retroagirá à data do ato.
Art. 663. Sempre que o mandatário estipular negócios expressamente em nome
do mandante, será este o único responsável; ficará, porém, o mandatário pessoalmente
obrigado, se agir no seu próprio nome, ainda que o negócio seja de conta do
mandante.
Art. 664. O mandatário tem o direito de reter, do objeto da operação que lhe foi
cometida, quanto baste para pagamento de tudo que lhe for devido em conseqüência
do mandato.
Art. 665. O mandatário que exceder os poderes do mandato, ou proceder contra
eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar
os atos.
Art. 666. O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser
mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as
regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores.
Seção II
Das Obrigações do Mandatário
Art. 667. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução
do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem
substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente.
§ 1o Se, não obstante proibição do mandante, o mandatário se fizer substituir na
execução do mandato, responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob
a gerência do substituto, embora provenientes de caso fortuito, salvo provando que o
caso teria sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabelecimento.
§ 2o Havendo poderes de substabelecer, só serão imputáveis ao mandatário os
danos causados pelo substabelecido, se tiver agido com culpa na escolha deste ou
nas instruções dadas a ele.
§ 3o Se a proibição de substabelecer constar da procuração, os atos praticados
pelo substabelecido não obrigam o mandante, salvo ratificação expressa, que retroagirá
à data do ato.
Código Civil Brasileiro 219
§ 4o Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o procurador será
responsável se o substabelecido proceder culposamente.
Art. 668. O mandatário é obrigado a dar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe
as vantagens provenientes do mandato, por qualquer título que seja.
Art. 669. O mandatário não pode compensar os prejuízos a que deu causa com os
proveitos que, por outro lado, tenha granjeado ao seu constituinte.
Art. 670. Pelas somas que devia entregar ao mandante ou recebeu para despesa,
mas empregou em proveito seu, pagará o mandatário juros, desde o momento em
que abusou.
Art. 671. Se o mandatário, tendo fundos ou crédito do mandante, comprar, em
nome próprio, algo que devera comprar para o mandante, por ter sido expressamente
designado no mandato, terá este ação para obrigá-lo à entrega da coisa comprada.
Art. 672. Sendo dois ou mais os mandatários nomeados no mesmo instrumento,
qualquer deles poderá exercer os poderes outorgados, se não forem expressamente
declarados conjuntos, nem especificamente designados para atos diferentes, ou subordinados
a atos sucessivos. Se os mandatários forem declarados conjuntos, não
terá eficácia o ato praticado sem interferência de todos, salvo havendo ratificação,
que retroagirá à data do ato.
Art. 673. O terceiro que, depois de conhecer os poderes do mandatário, com ele celebrar
negócio jurídico exorbitante do mandato, não tem ação contra o mandatário, salvo
se este lhe prometeu ratificação do mandante ou se responsabilizou pessoalmente.
Art. 674. Embora ciente da morte, interdição ou mudança de estado do mandante,
deve o mandatário concluir o negócio já começado, se houver perigo na demora.
Seção III
Das Obrigações do Mandante
Art. 675. O mandante é obrigado a satisfazer todas as obrigações contraídas pelo
mandatário, na conformidade do mandato conferido, e adiantar a importância das
despesas necessárias à execução dele, quando o mandatário lho pedir.
Art. 676. É obrigado o mandante a pagar ao mandatário a remuneração ajustada e
as despesas da execução do mandato, ainda que o negócio não surta o esperado efeito,
salvo tendo o mandatário culpa.
Art. 677. As somas adiantadas pelo mandatário, para a execução do mandato,
vencem juros desde a data do desembolso.
Art. 678. É igualmente obrigado o mandante a ressarcir ao mandatário as perdas
que este sofrer com a execução do mandato, sempre que não resultem de culpa sua
ou de excesso de poderes.
220 Código Civil Brasileiro
Art. 679. Ainda que o mandatário contrarie as instruções do mandante, se não
exceder os limites do mandato, ficará o mandante obrigado para com aqueles com
quem o seu procurador contratou; mas terá contra este ação pelas perdas e danos
resultantes da inobservância das instruções.
Art. 680. Se o mandato for outorgado por duas ou mais pessoas, e para negócio
comum, cada uma ficará solidariamente responsável ao mandatário por todos os compromissos
e efeitos do mandato, salvo direito regressivo, pelas quantias que pagar,
contra os outros mandantes.
Art. 681. O mandatário tem sobre a coisa de que tenha a posse em virtude do mandato,
direito de retenção, até se reembolsar do que no desempenho do encargo despendeu.
Seção IV
Da Extinção do Mandato
Art. 682. Cessa o mandato:
I – pela revogação ou pela renúncia;
II – pela morte ou interdição de uma das partes;
III – pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes,
ou o mandatário para os exercer;
IV – pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.
Art. 683. Quando o mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandante
o revogar, pagará perdas e danos.
Art. 684. Quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio
bilateral, ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, a revogação
do mandato será ineficaz.
Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revoga-
ção não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o
mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis
ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.
Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode
opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao
constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador.
Parágrafo único. É irrevogável o mandato que contenha poderes de cumprimento
ou confirmação de negócios encetados, aos quais se ache vinculado.
Art. 687. Tanto que for comunicada ao mandatário a nomeação de outro, para o
mesmo negócio, considerar-se-á revogado o mandato anterior.
Art. 688. A renúncia do mandato será comunicada ao mandante, que, se for
prejudicado pela sua inoportunidade, ou pela falta de tempo, a fim de prover à subs-
Código Civil Brasileiro 221
tituição do procurador, será indenizado pelo mandatário, salvo se este provar que
não podia continuar no mandato sem prejuízo considerável, e que não lhe era dado
substabelecer.
Art. 689. São válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos com estes
ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte
daquele ou a extinção do mandato, por qualquer outra causa.
Art. 690. Se falecer o mandatário, pendente o negócio a ele cometido, os herdeiros,
tendo ciência do mandato, avisarão o mandante, e providenciarão a bem dele, como
as circunstâncias exigirem.
Art. 691. Os herdeiros, no caso do artigo antecedente, devem limitar-se às medidas
conservatórias, ou continuar os negócios pendentes que se não possam demorar sem
perigo, regulando-se os seus serviços dentro desse limite, pelas mesmas normas a
que os do mandatário estão sujeitos.
Seção V
Do Mandato Judicial
Art. 692. O mandato judicial fica subordinado às normas que lhe dizem respeito, constantes
da legislação processual, e, supletivamente, às estabelecidas neste Código.
CAPÍTULO XI
Da Comissão
Art. 693. O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens
pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente.
Art. 694. O comissário fica diretamente obrigado para com as pessoas com quem
contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo
se o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes.
Art. 695. O comissário é obrigado a agir de conformidade com as ordens e instru-
ções do comitente, devendo, na falta destas, não podendo pedi-las a tempo, proceder
segundo os usos em casos semelhantes.
Parágrafo único. Ter-se-ão por justificados os atos do comissário, se deles houver
resultado vantagem para o comitente, e ainda no caso em que, não admitindo demora
a realização do negócio, o comissário agiu de acordo com os usos.
Art. 696. No desempenho das suas incumbências o comissário é obrigado a agir
com cuidado e diligência, não só para evitar qualquer prejuízo ao comitente, mas
ainda para lhe proporcionar o lucro que razoavelmente se podia esperar do negócio.
Parágrafo único. Responderá o comissário, salvo motivo de força maior, por
qualquer prejuízo que, por ação ou omissão, ocasionar ao comitente.
222 Código Civil Brasileiro
Art. 697. O comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem tratar,
exceto em caso de culpa e no do artigo seguinte.
Art. 698. Se do contrato de comissão constar a cláusula del credere, responderá
o comissário solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do
comitente, caso em que, salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a
remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido.
Art. 699. Presume-se o comissário autorizado a conceder dilação do prazo para
pagamento, na conformidade dos usos do lugar onde se realizar o negócio, se não
houver instruções diversas do comitente.
Art. 700. Se houver instruções do comitente proibindo prorrogação de prazos para
pagamento, ou se esta não for conforme os usos locais, poderá o comitente exigir que
o comissário pague incontinenti ou responda pelas conseqüências da dilação concedida,
procedendo-se de igual modo se o comissário não der ciência ao comitente dos
prazos concedidos e de quem é seu beneficiário.
Art. 701. Não estipulada a remuneração devida ao comissário, será ela arbitrada
segundo os usos correntes no lugar.
Art. 702. No caso de morte do comissário, ou, quando, por motivo de força maior,
não puder concluir o negócio, será devida pelo comitente uma remuneração proporcional
aos trabalhos realizados.
Art. 703. Ainda que tenha dado motivo à dispensa, terá o comissário direito a ser
remunerado pelos serviços úteis prestados ao comitente, ressalvado a este o direito
de exigir daquele os prejuízos sofridos.
Art. 704. Salvo disposição em contrário, pode o comitente, a qualquer tempo,
alterar as instruções dadas ao comissário, entendendo-se por elas regidos também os
negócios pendentes.
Art. 705. Se o comissário for despedido sem justa causa, terá direito a ser remunerado
pelos trabalhos prestados, bem como a ser ressarcido pelas perdas e danos
resultantes de sua dispensa.
Art. 706. O comitente e o comissário são obrigados a pagar juros um ao outro; o
primeiro pelo que o comissário houver adiantado para cumprimento de suas ordens;
e o segundo pela mora na entrega dos fundos que pertencerem ao comitente.
Art. 707. O crédito do comissário, relativo a comissões e despesas feitas, goza de
privilégio geral, no caso de falência ou insolvência do comitente.
Art. 708. Para reembolso das despesas feitas, bem como para recebimento das
comissões devidas, tem o comissário direito de retenção sobre os bens e valores em
seu poder em virtude da comissão.
Art. 709. São aplicáveis à comissão, no que couber, as regras sobre mandato.
Código Civil Brasileiro 223
CAPÍTULO XII
Da Agência e Distribuição
Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual
e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante
retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se
a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.
Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o
represente na conclusão dos contratos.
Art. 711. Salvo ajuste, o proponente não pode constituir, ao mesmo tempo, mais de
um agente, na mesma zona, com idêntica incumbência; nem pode o agente assumir o encargo
de nela tratar de negócios do mesmo gênero, à conta de outros proponentes.
Art. 712. O agente, no desempenho que lhe foi cometido, deve agir com toda
diligência, atendo-se às instruções recebidas do proponente.
Art. 713. Salvo estipulação diversa, todas as despesas com a agência ou distribuição
correm a cargo do agente ou distribuidor.
Art. 714. Salvo ajuste, o agente ou distribuidor terá direito à remuneração correspondente
aos negócios concluídos dentro de sua zona, ainda que sem a sua interferência.
Art. 715. O agente ou distribuidor tem direito à indenização se o proponente, sem
justa causa, cessar o atendimento das propostas ou reduzi-lo tanto que se torna antieconômica
a continuação do contrato.
Art. 716. A remuneração será devida ao agente também quando o negócio deixar
de ser realizado por fato imputável ao proponente.
Art. 717. Ainda que dispensado por justa causa, terá o agente direito a ser remunerado
pelos serviços úteis prestados ao proponente, sem embargo de haver este perdas
e danos pelos prejuízos sofridos.
Art. 718. Se a dispensa se der sem culpa do agente, terá ele direito à remunera-
ção até então devida, inclusive sobre os negócios pendentes, além das indenizações
previstas em lei especial.
Art. 719. Se o agente não puder continuar o trabalho por motivo de força maior, terá
direito à remuneração correspondente aos serviços realizados, cabendo esse direito
aos herdeiros no caso de morte.
Art. 720. Se o contrato for por tempo indeterminado, qualquer das partes poderá
resolvê-lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo
compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente.
Parágrafo único. No caso de divergência entre as partes, o juiz decidirá da razoabilidade
do prazo e do valor devido.
224 Código Civil Brasileiro
Art. 721. Aplicam-se ao contrato de agência e distribuição, no que couber, as regras
concernentes ao mandato e à comissão e as constantes de lei especial.
CAPÍTULO XIII
Da Corretagem
Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de
mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se
a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.
Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com a diligência e prudência
que o negócio requer, prestando ao cliente, espontaneamente, todas as informações
sobre o andamento dos negócios; deve, ainda, sob pena de responder por perdas e
danos, prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance, acerca
da segurança ou risco do negócio, das alterações de valores e do mais que possa influir
nos resultados da incumbência.
Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada
entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.
Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o
resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude
de arrependimento das partes.
Art. 726. Iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes, nenhuma
remuneração será devida ao corretor; mas se, por escrito, for ajustada a corretagem
com exclusividade, terá o corretor direito à remuneração integral, ainda que realizado
o negócio sem a sua mediação, salvo se comprovada sua inércia ou ociosidade.
Art. 727. Se, por não haver prazo determinado, o dono do negócio dispensar
o corretor, e o negócio se realizar posteriormente, como fruto da sua mediação, a
corretagem lhe será devida; igual solução se adotará se o negócio se realizar após a
decorrência do prazo contratual, mas por efeito dos trabalhos do corretor.
Art. 728. Se o negócio se concluir com a intermediação de mais de um corretor, a
remuneração será paga a todos em partes iguais, salvo ajuste em contrário.
Art. 729. Os preceitos sobre corretagem constantes deste Código não excluem a
aplicação de outras normas da legislação especial.
CAPÍTULO XIV
Do Transporte
Seção I
Disposições Gerais
Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a
transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.
Código Civil Brasileiro 225
Art. 731. O transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão,
rege-se pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos, sem
prejuízo do disposto neste Código.
Art. 732. Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber,
desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da
legislação especial e de tratados e convenções internacionais.
Art. 733. Nos contratos de transporte cumulativo, cada transportador se obriga a
cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos
nele causados a pessoas e coisas.
§ 1o O dano, resultante do atraso ou da interrupção da viagem, será determinado
em razão da totalidade do percurso.
§ 2o Se houver substituição de algum dos transportadores no decorrer do percurso,
a responsabilidade solidária estender-se-á ao substituto.
Seção II
Do Transporte de Pessoas
Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e
suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente
da responsabilidade.
Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem
a fim de fixar o limite da indenização.
Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro
não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.
Art. 736. Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente,
por amizade ou cortesia.
Parágrafo único. Não se considera gratuito o transporte quando, embora feito
sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas.
Art. 737. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena
de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior.
Art. 738. A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo
transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se
de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o
veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço.
Parágrafo único. Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à
transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá eqüitativamente
a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do
dano.
226 Código Civil Brasileiro
Art. 739. O transportador não pode recusar passageiros, salvo os casos previstos
nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem.
Art. 740. O passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de
iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que
feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada.
§ 1o Ao passageiro é facultado desistir do transporte, mesmo depois de iniciada a
viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado,
desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar.
§ 2o Não terá direito ao reembolso do valor da passagem o usuário que deixar
de embarcar, salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, caso
em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado.
§ 3o Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter
até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa
compensatória.
Art. 741. Interrompendo-se a viagem por qualquer motivo alheio à vontade do
transportador, ainda que em conseqüência de evento imprevisível, fica ele obrigado
a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, com a
anuência do passageiro, por modalidade diferente, à sua custa, correndo também por
sua conta as despesas de estada e alimentação do usuário, durante a espera de novo
transporte.
Art. 742. O transportador, uma vez executado o transporte, tem direito de reten-
ção sobre a bagagem de passageiro e outros objetos pessoais deste, para garantir-se
do pagamento do valor da passagem que não tiver sido feito no início ou durante o
percurso.
Seção III
Do Transporte de Coisas
Art. 743. A coisa, entregue ao transportador, deve estar caracterizada pela sua natureza,
valor, peso e quantidade, e o mais que for necessário para que não se confunda
com outras, devendo o destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço.
Art. 744. Ao receber a coisa, o transportador emitirá conhecimento com a menção
dos dados que a identifiquem, obedecido o disposto em lei especial.
Parágrafo único. O transportador poderá exigir que o remetente lhe entregue,
devidamente assinada, a relação discriminada das coisas a serem transportadas, em
duas vias, uma das quais, por ele devidamente autenticada, ficará fazendo parte integrante
do conhecimento.
Art. 745. Em caso de informação inexata ou falsa descrição no documento a que
se refere o artigo antecedente, será o transportador indenizado pelo prejuízo que so-
Código Civil Brasileiro 227
frer, devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte dias, a contar
daquele ato, sob pena de decadência.
Art. 746. Poderá o transportador recusar a coisa cuja embalagem seja inadequada,
bem como a que possa pôr em risco a saúde das pessoas, ou danificar o veículo e
outros bens.
Art. 747. O transportador deverá obrigatoriamente recusar a coisa cujo transporte
ou comercialização não sejam permitidos, ou que venha desacompanhada dos documentos
exigidos por lei ou regulamento.
Art. 748. Até a entrega da coisa, pode o remetente desistir do transporte e pedi-la
de volta, ou ordenar seja entregue a outro destinatário, pagando, em ambos os casos,
os acréscimos de despesa decorrentes da contra-ordem, mais as perdas e danos que
houver.
Art. 749. O transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas
necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto.
Art. 750. A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do
conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa;
termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for
encontrado.
Art. 751. A coisa, depositada ou guardada nos armazéns do transportador, em
virtude de contrato de transporte, rege-se, no que couber, pelas disposições relativas
a depósito.
Art. 752. Desembarcadas as mercadorias, o transportador não é obrigado a dar
aviso ao destinatário, se assim não foi convencionado, dependendo também de ajuste
a entrega a domicílio, e devem constar do conhecimento de embarque as cláusulas de
aviso ou de entrega a domicílio.
Art. 753. Se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o transportador
solicitará, incontinenti, instruções ao remetente, e zelará pela coisa, por cujo
perecimento ou deterioração responderá, salvo força maior.
§ 1o Perdurando o impedimento, sem motivo imputável ao transportador e sem
manifestação do remetente, poderá aquele depositar a coisa em juízo, ou vendê-la, obedecidos
os preceitos legais e regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor.
§ 2o Se o impedimento for responsabilidade do transportador, este poderá depositar
a coisa, por sua conta e risco, mas só poderá vendê-la se perecível.
§ 3o Em ambos os casos, o transportador deve informar o remetente da efetivação
do depósito ou da venda.
§ 4o Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns,
continuará a responder pela sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém,
228 Código Civil Brasileiro
uma remuneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se
conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte.
Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar
o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar
as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.
Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira
vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie
o dano em dez dias a contar da entrega.
Art. 755. Havendo dúvida acerca de quem seja o destinatário, o transportador deve
depositar a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente;
se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vendê-la,
depositando o saldo em juízo.
Art. 756. No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem
solidariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuração final
da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou
proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano.
CAPÍTULO XV
Do Seguro
Seção I
Disposições Gerais
Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento
do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa,
contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador,
entidade para tal fim legalmente autorizada.
Art. 758. O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do
seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo
prêmio.
Art. 759. A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a
declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco.
Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao
portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o
limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o
do beneficiário.
Parágrafo único. No seguro de pessoas, a apólice ou o bilhete não podem ser
ao portador.
Código Civil Brasileiro 229
Art. 761. Quando o risco for assumido em co-seguro, a apólice indicará o segurador
que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos.
Art. 762. Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do
segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.
Art. 763. Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento
do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.
Art. 764. Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em
previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio.
Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na
execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto
como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.
Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas
ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do
prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.
Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de
má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo
após o sinistro, a diferença do prêmio.
Art. 767. No seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer
defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão
do contrato, ou de pagamento do prêmio.
Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o
risco objeto do contrato.
Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo
incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder
o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.
§ 1o O segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento
do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por
escrito, de sua decisão de resolver o contrato.
§ 2o A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída
pelo segurador a diferença do prêmio.
Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato
não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável,
o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.
Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o
sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para
minorar-lhe as conseqüências.
230 Código Civil Brasileiro
Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato,
as despesas de salvamento conseqüente ao sinistro.
Art. 772. A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária
da indenização devida segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, sem
prejuízo dos juros moratórios.
Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que
o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o
prêmio estipulado.
Art. 774. A recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa
cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez.
Art. 775. Os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes
para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem.
Art. 776. O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco
assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa.
Art. 777. O disposto no presente Capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros
regidos por leis próprias.
Seção II
Do Seguro de Dano
Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor
do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto
no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber.
Art. 779. O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou conseqüentes,
como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano,
ou salvar a coisa.
Art. 780. A vigência da garantia, no seguro de coisas transportadas, começa no momento
em que são pelo transportador recebidas, e cessa com a sua entrega ao destinatário.
Art. 781. A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no
momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na
apólice, salvo em caso de mora do segurador.
Art. 782. O segurado que, na vigência do contrato, pretender obter novo seguro
sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro segurador, deve previamente
comunicar sua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por que
pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art. 778.
Art. 783. Salvo disposição em contrário, o seguro de um interesse por menos do que
valha acarreta a redução proporcional da indenização, no caso de sinistro parcial.
Código Civil Brasileiro 231
Art. 784. Não se inclui na garantia o sinistro provocado por vício intrínseco da
coisa segurada, não declarado pelo segurado.
Parágrafo único. Entende-se por vício intrínseco o defeito próprio da coisa, que
se não encontra normalmente em outras da mesma espécie.
Art. 785. Salvo disposição em contrário, admite-se a transferência do contrato a
terceiro com a alienação ou cessão do interesse segurado.
§ 1o Se o instrumento contratual é nominativo, a transferência só produz efeitos em
relação ao segurador mediante aviso escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário.
§ 2o A apólice ou o bilhete à ordem só se transfere por endosso em preto, datado
e assinado pelo endossante e pelo endossatário.
Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo,
nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.
§ 1o Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge
do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consangüíneos ou afins.
§ 2o É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo
do segurador, os direitos a que se refere este artigo.
Art. 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento
de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.
§ 1o Tão logo saiba o segurado das conseqüências de ato seu, suscetível de lhe
acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador.
§ 2o É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação,
bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem
anuência expressa do segurador.
§ 3o Intentada a ação contra o segurado, dará este ciência da lide ao segurador.
§ 4o Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se o segurador
for insolvente.
Art. 788. Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização
por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado.
Parágrafo único. Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador
não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover
a citação deste para integrar o contraditório.
Seção III
Do Seguro de Pessoa
Art. 789. Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo
proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o
mesmo ou diversos seguradores.
232 Código Civil Brasileiro
Art. 790. No seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar, sob
pena de falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do segurado.
Parágrafo único. Até prova em contrário, presume-se o interesse, quando o
segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do proponente.
Art. 791. Se o segurado não renunciar à faculdade, ou se o seguro não tiver como
causa declarada a garantia de alguma obrigação, é lícita a substituição do beneficiário,
por ato entre vivos ou de última vontade.
Parágrafo único. O segurador, que não for cientificado oportunamente da substituição,
desobrigar-se-á pagando o capital segurado ao antigo beneficiário.
Art. 792. Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo
não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não
separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem
da vocação hereditária.
Parágrafo único. Na falta das pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários
os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência.
Art. 793. É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo
do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de
fato.
Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o
capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança
para todos os efeitos de direito.
Art. 795. É nula, no seguro de pessoa, qualquer transação para pagamento reduzido
do capital segurado.
Art. 796. O prêmio, no seguro de vida, será conveniado por prazo limitado, ou por
toda a vida do segurado.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, no seguro individual, o segurador não
terá ação para cobrar o prêmio vencido, cuja falta de pagamento, nos prazos previstos,
acarretará, conforme se estipular, a resolução do contrato, com a restituição da reserva
já formada, ou a redução do capital garantido proporcionalmente ao prêmio pago.
Art. 797. No seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de
carência, durante o qual o segurador não responde pela ocorrência do sinistro.
Parágrafo único. No caso deste artigo o segurador é obrigado a devolver ao
beneficiário o montante da reserva técnica já formada.
Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se
suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução
depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Código Civil Brasileiro 233
Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula
contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.
Art. 799. O segurador não pode eximir-se ao pagamento do seguro, ainda que
da apólice conste a restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado provier da
utilização de meio de transporte mais arriscado, da prestação de serviço militar, da
prática de esporte, ou de atos de humanidade em auxílio de outrem.
Art. 800. Nos seguros de pessoas, o segurador não pode sub-rogar-se nos direitos
e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro.
Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica
em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.
§ 1o O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o
único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações
contratuais.
§ 2o A modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de
segurados que representem três quartos do grupo.
Art. 802. Não se compreende nas disposições desta Seção a garantia do reembolso
de despesas hospitalares ou de tratamento médico, nem o custeio das despesas de luto
e de funeral do segurado.
CAPÍTULO XVI
Da Constituição de Renda
Art. 803. Pode uma pessoa, pelo contrato de constituição de renda, obrigar-se para
com outra a uma prestação periódica, a título gratuito.
Art. 804. O contrato pode ser também a título oneroso, entregando-se bens móveis
ou imóveis à pessoa que se obriga a satisfazer as prestações a favor do credor ou de
terceiros.
Art. 805. Sendo o contrato a título oneroso, pode o credor, ao contratar, exigir que
o rendeiro lhe preste garantia real, ou fidejussória.
Art. 806. O contrato de constituição de renda será feito a prazo certo, ou por vida,
podendo ultrapassar a vida do devedor mas não a do credor, seja ele o contratante,
seja terceiro.
Art. 807. O contrato de constituição de renda requer escritura pública.
Art. 808. É nula a constituição de renda em favor de pessoa já falecida, ou que,
nos trinta dias seguintes, vier a falecer de moléstia que já sofria, quando foi celebrado
o contrato.
234 Código Civil Brasileiro
Art. 809. Os bens dados em compensação da renda caem, desde a tradição, no
domínio da pessoa que por aquela se obrigou.
Art. 810. Se o rendeiro, ou censuário, deixar de cumprir a obrigação estipulada,
poderá o credor da renda acioná-lo, tanto para que lhe pague as prestações atrasadas
como para que lhe dê garantias das futuras, sob pena de rescisão do contrato.
Art. 811. O credor adquire o direito à renda dia a dia, se a prestação não houver de
ser paga adiantada, no começo de cada um dos períodos prefixos.
Art. 812. Quando a renda for constituída em benefício de duas ou mais pessoas,
sem determinação da parte de cada uma, entende-se que os seus direitos são iguais;
e, salvo estipulação diversa, não adquirirão os sobrevivos direito à parte dos que
morrerem.
Art. 813. A renda constituída por título gratuito pode, por ato do instituidor, ficar
isenta de todas as execuções pendentes e futuras.
Parágrafo único. A isenção prevista neste artigo prevalece de pleno direito em
favor dos montepios e pensões alimentícias.
CAPÍTULO XVII
Do Jogo e da Aposta
Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se
pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo,
ou se o perdente é menor ou interdito.
§ 1o Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva
reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não
pode ser oposta ao terceiro de boa-fé.
§ 2o O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não
proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.
§ 3o Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o
vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os
interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares.
Art. 815. Não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo ou aposta,
no ato de apostar ou jogar.
Art. 816. As disposições dos arts. 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre
títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente
pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no
vencimento do ajuste.
Art. 817. O sorteio para dirimir questões ou dividir coisas comuns considera-se
sistema de partilha ou processo de transação, conforme o caso.
Código Civil Brasileiro 235
CAPÍTULO XVIII
Da Fiança
Seção I
Disposições Gerais
Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma
obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.
Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.

Art. 819-A (Vetado).63
Art. 820. Pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do devedor ou
contra a sua vontade.
Art. 821. As dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso,
não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal
devedor.
Art. 822. Não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida
principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador.
Art. 823. A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída
em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa
que ela, não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada.
Art. 824. As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade
resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor.
Parágrafo único. A exceção estabelecida neste artigo não abrange o caso de
mútuo feito a menor.
Art. 825. Quando alguém houver de oferecer fiador, o credor não pode ser obrigado
a aceitá-lo se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar
a fiança, e não possua bens suficientes para cumprir a obrigação.
Art. 826. Se o fiador se tornar insolvente ou incapaz, poderá o credor exigir que
seja substituído.
Seção II
Dos Efeitos da Fiança
Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a
contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este
artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados,
quantos bastem para solver o débito.
63 Lei no
10.931/2004.
236 Código Civil Brasileiro
Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador:
I – se ele o renunciou expressamente;
II – se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;
III – se o devedor for insolvente, ou falido.
Art. 829. A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa
importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem
o benefício de divisão.
Parágrafo único. Estipulado este benefício, cada fiador responde unicamente
pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento.
Art. 830. Cada fiador pode fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua
responsabilidade, caso em que não será por mais obrigado.
Art. 831. O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos direitos
do credor; mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva
quota.
Parágrafo único. A parte do fiador insolvente distribuir-se-á pelos outros.
Art. 832. O devedor responde também perante o fiador por todas as perdas e danos
que este pagar, e pelos que sofrer em razão da fiança.
Art. 833. O fiador tem direito aos juros do desembolso pela taxa estipulada na
obrigação principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais da mora.
Art. 834. Quando o credor, sem justa causa, demorar a execução iniciada contra o
devedor, poderá o fiador promover-lhe o andamento.
Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação
de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança,
durante sessenta dias após a notificação do credor.
Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da
fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as
forças da herança.
Seção III
Da Extinção da Fiança
Art. 837. O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as
extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente
de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.
Art. 838. O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:
I – se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;
Código Civil Brasileiro 237
II – se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e
preferências;
III – se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor
objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo
por evicção.
Art. 839. Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a
execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar
que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução
da dívida afiançada.
CAPÍTULO XIX
Da Transação
Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante
concessões mútuas.
Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.
Art. 842. A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o
exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos
contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado
pelos transigentes e homologado pelo juiz.
Art. 843. A transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se transmitem,
apenas se declaram ou reconhecem direitos.
Art. 844. A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem,
ainda que diga respeito a coisa indivisível.
§ 1o Se for concluída entre o credor e o devedor, desobrigará o fiador.
§ 2o Se entre um dos credores solidários e o devedor, extingue a obrigação deste
para com os outros credores.
§ 3o Se entre um dos devedores solidários e seu credor, extingue a dívida em
relação aos co-devedores.
Art. 845. Dada a evicção da coisa renunciada por um dos transigentes, ou por ele
transferida à outra parte, não revive a obrigação extinta pela transação; mas ao evicto
cabe o direito de reclamar perdas e danos.
Parágrafo único. Se um dos transigentes adquirir, depois da transação, novo direito
sobre a coisa renunciada ou transferida, a transação feita não o inibirá de exercê-lo.
Art. 846. A transação concernente a obrigações resultantes de delito não extingue
a ação penal pública.
Art. 847. É admissível, na transação, a pena convencional.
238 Código Civil Brasileiro
Art. 848. Sendo nula qualquer das cláusulas da transação, nula será esta.
Parágrafo único. Quando a transação versar sobre diversos direitos contestados,
independentes entre si, o fato de não prevalecer em relação a um não prejudicará os
demais.
Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à
pessoa ou coisa controversa.
Parágrafo único. A transação não se anula por erro de direito a respeito das
questões que foram objeto de controvérsia entre as partes.
Art. 850. É nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em julgado,
se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente
descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação.
CAPÍTULO XX
Do Compromisso
Art. 851. É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios
entre pessoas que podem contratar.
Art. 852. É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito
pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial.
Art. 853. Admite-se nos contratos a cláusula compromissória, para resolver divergências
mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lei especial.
TÍTULO VII
Dos Atos Unilaterais
CAPÍTULO I
Da Promessa de Recompensa
Art. 854. Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou
gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai
obrigação de cumprir o prometido.
Art. 855. Quem quer que, nos termos do artigo antecedente, fizer o serviço, ou
satisfizer a condição, ainda que não pelo interesse da promessa, poderá exigir a recompensa
estipulada.
Art. 856. Antes de prestado o serviço ou preenchida a condição, pode o promitente
revogar a promessa, contanto que o faça com a mesma publicidade; se houver
assinado prazo à execução da tarefa, entender-se-á que renuncia o arbítrio de retirar,
durante ele, a oferta.
Parágrafo único. O candidato de boa-fé, que houver feito despesas, terá direito
a reembolso.
Código Civil Brasileiro 239
Art. 857. Se o ato contemplado na promessa for praticado por mais de um indivíduo,
terá direito à recompensa o que primeiro o executou.
Art. 858. Sendo simultânea a execução, a cada um tocará quinhão igual na recompensa;
se esta não for divisível, conferir-se-á por sorteio, e o que obtiver a coisa dará
ao outro o valor de seu quinhão.
Art. 859. Nos concursos que se abrirem com promessa pública de recompensa,
é condição essencial, para valerem, a fixação de um prazo, observadas também as
disposições dos parágrafos seguintes.
§ 1o A decisão da pessoa nomeada, nos anúncios, como juiz, obriga os interessados.
§ 2o Em falta de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se
apresentarem, entender-se-á que o promitente se reservou essa função.
§ 3o Se os trabalhos tiverem mérito igual, proceder-se-á de acordo com os arts.
857 e 858.
Art. 860. As obras premiadas, nos concursos de que trata o artigo antecedente,
só ficarão pertencendo ao promitente, se assim for estipulado na publicação da promessa.
CAPÍTULO II
Da Gestão de Negócios
Art. 861. Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de
negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono,
ficando responsável a este e às pessoas com que tratar.
Art. 862. Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do
interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não provando que teriam
sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido.
Art. 863. No caso do artigo antecedente, se os prejuízos da gestão excederem o seu
proveito, poderá o dono do negócio exigir que o gestor restitua as coisas ao estado
anterior, ou o indenize da diferença.
Art. 864. Tanto que se possa, comunicará o gestor ao dono do negócio a gestão que
assumiu, aguardando-lhe a resposta, se da espera não resultar perigo.
Art. 865. Enquanto o dono não providenciar, velará o gestor pelo negócio, até o
levar a cabo, esperando, se aquele falecer durante a gestão, as instruções dos herdeiros,
sem se descuidar, entretanto, das medidas que o caso reclame.
Art. 866. O gestor envidará toda sua diligência habitual na administração do negó-
cio, ressarcindo ao dono o prejuízo resultante de qualquer culpa na gestão.
240 Código Civil Brasileiro
Art. 867. Se o gestor se fizer substituir por outrem, responderá pelas faltas do
substituto, ainda que seja pessoa idônea, sem prejuízo da ação que a ele, ou ao dono
do negócio, contra ela possa caber.
Parágrafo único. Havendo mais de um gestor, solidária será a sua responsabilidade.
Art. 868. O gestor responde pelo caso fortuito quando fizer operações arriscadas,
ainda que o dono costumasse fazê-las, ou quando preterir interesse deste em proveito
de interesses seus.
Parágrafo único. Querendo o dono aproveitar-se da gestão, será obrigado a
indenizar o gestor das despesas necessárias, que tiver feito, e dos prejuízos, que por
motivo da gestão, houver sofrido.
Art. 869. Se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações
contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis
que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos
prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão.
§ 1o A utilidade, ou necessidade, da despesa, apreciar-se-á não pelo resultado
obtido, mas segundo as circunstâncias da ocasião em que se fizerem.
§ 2o Vigora o disposto neste artigo, ainda quando o gestor, em erro quanto ao
dono do negócio, der a outra pessoa as contas da gestão.
Art. 870. Aplica-se a disposição do artigo antecedente, quando a gestão se proponha
a acudir a prejuízos iminentes, ou redunde em proveito do dono do negócio ou
da coisa; mas a indenização ao gestor não excederá, em importância, as vantagens
obtidas com a gestão.
Art. 871. Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele
os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que
este não ratifique o ato.
Art. 872. Nas despesas do enterro, proporcionadas aos usos locais e à condição do
falecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria a obrigação de
alimentar a que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha deixado bens.
Parágrafo único. Cessa o disposto neste artigo e no antecedente, em se provando
que o gestor fez essas despesas com o simples intento de bem-fazer.
Art. 873. A ratificação pura e simples do dono do negócio retroage ao dia do começo
da gestão, e produz todos os efeitos do mandato.
Art. 874. Se o dono do negócio, ou da coisa, desaprovar a gestão, considerando-a
contrária aos seus interesses, vigorará o disposto nos arts. 862 e 863, salvo o estabelecido
nos arts. 869 e 870.
Art. 875. Se os negócios alheios forem conexos ao do gestor, de tal arte que se não
possam gerir separadamente, haver-se-á o gestor por sócio daquele cujos interesses
agenciar de envolta com os seus.
Código Civil Brasileiro 241
Parágrafo único. No caso deste artigo, aquele em cujo benefício interveio o gestor
só é obrigado na razão das vantagens que lograr.
CAPÍTULO III
Do Pagamento Indevido
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir;
obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida
a condição.
Art. 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo
feito por erro.
Art. 878. Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa
dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto neste Código sobre o possuidor
de boa-fé ou de má-fé, conforme o caso.
Art. 879. Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em
boa-fé, por título oneroso, responde somente pela quantia recebida; mas, se agiu de
má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos.
Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado
por título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro
o direito de reivindicação.
Art. 880. Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o
como parte de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou
abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas aquele que pagou dispõe
de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador.
Art. 881. Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação
de fazer ou para eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação
fica na obrigação de indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro obtido.
Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir
obrigação judicialmente inexigível.
Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim
ilícito, imoral, ou proibido por lei.
Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento
local de beneficência, a critério do juiz.
CAPÍTULO IV
Do Enriquecimento sem Causa
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado
a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
242 Código Civil Brasileiro
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem
a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará
pelo valor do bem na época em que foi exigido.
Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique
o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.
Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado
outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.
TÍTULO VIII
Dos Títulos de Crédito
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e
autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.
Art. 888. A omissão de qualquer requisito legal, que tire ao escrito a sua validade como
título de crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe deu origem.
Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos
direitos que confere, e a assinatura do emitente.
§ 1o É à vista o título de crédito que não contenha indicação de vencimento.
§ 2o Considera-se lugar de emissão e de pagamento, quando não indicado no
título, o domicílio do emitente.
§ 3o O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador
ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados
os requisitos mínimos previstos neste artigo.
Art. 890. Consideram-se não escritas no título a cláusula de juros, a proibitiva de
endosso, a excludente de responsabilidade pelo pagamento ou por despesas, a que
dispense a observância de termos e formalidade prescritas, e a que, além dos limites
fixados em lei, exclua ou restrinja direitos e obrigações.
Art. 891. O título de crédito, incompleto ao tempo da emissão, deve ser preenchido
de conformidade com os ajustes realizados.
Parágrafo único. O descumprimento dos ajustes previstos neste artigo pelos que
deles participaram, não constitui motivo de oposição ao terceiro portador, salvo se
este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé.
Art. 892. Aquele que, sem ter poderes, ou excedendo os que tem, lança a sua
assinatura em título de crédito, como mandatário ou representante de outrem, fica
pessoalmente obrigado, e, pagando o título, tem ele os mesmos direitos que teria o
suposto mandante ou representado.
Código Civil Brasileiro 243
Art. 893. A transferência do título de crédito implica a de todos os direitos que
lhe são inerentes.
Art. 894. O portador de título representativo de mercadoria tem o direito de
transferi-lo, de conformidade com as normas que regulam a sua circulação, ou de
receber aquela independentemente de quaisquer formalidades, além da entrega do
título devidamente quitado.
Art. 895. Enquanto o título de crédito estiver em circulação, só ele poderá ser dado
em garantia, ou ser objeto de medidas judiciais, e não, separadamente, os direitos ou
mercadorias que representa.
Art. 896. O título de crédito não pode ser reivindicado do portador que o adquiriu
de boa-fé e na conformidade das normas que disciplinam a sua circulação.
Art. 897. O pagamento de título de crédito, que contenha obrigação de pagar soma
determinada, pode ser garantido por aval.
Parágrafo único. É vedado o aval parcial.
Art. 898. O aval deve ser dado no verso ou no anverso do próprio título.
§ 1o Para a validade do aval, dado no anverso do título, é suficiente a simples
assinatura do avalista.
§ 2o Considera-se não escrito o aval cancelado.
Art. 899. O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar; na falta de indicação,
ao emitente ou devedor final.
§ 1o Pagando o título, tem o avalista ação de regresso contra o seu avalizado e
demais coobrigados anteriores.
§ 2o Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda que nula a obrigação daquele
a quem se equipara, a menos que a nulidade decorra de vício de forma.
Art. 900. O aval posterior ao vencimento produz os mesmos efeitos do anteriormente
dado.
Art. 901. Fica validamente desonerado o devedor que paga título de crédito ao
legítimo portador, no vencimento, sem oposição, salvo se agiu de má-fé.
Parágrafo único. Pagando, pode o devedor exigir do credor, além da entrega do
título, quitação regular.
Art. 902. Não é o credor obrigado a receber o pagamento antes do vencimento do título,
e aquele que o paga, antes do vencimento, fica responsável pela validade do pagamento.
§ 1o No vencimento, não pode o credor recusar pagamento, ainda que parcial.
§ 2o No caso de pagamento parcial, em que se não opera a tradição do título, além
da quitação em separado, outra deverá ser firmada no próprio título.
244 Código Civil Brasileiro
Art. 903. Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito
pelo disposto neste Código.
CAPÍTULO II
Do Título ao Portador
Art. 904. A transferência de título ao portador se faz por simples tradição.
Art. 905. O possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada,
mediante a sua simples apresentação ao devedor.
Parágrafo único. A prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação
contra a vontade do emitente.
Art. 906. O devedor só poderá opor ao portador exceção fundada em direito pessoal,
ou em nulidade de sua obrigação.
Art. 907. É nulo o título ao portador emitido sem autorização de lei especial.
Art. 908. O possuidor de título dilacerado, porém identificável, tem direito a
obter do emitente a substituição do anterior, mediante a restituição do primeiro e o
pagamento das despesas.
Art. 909. O proprietário, que perder ou extraviar título, ou for injustamente desapossado
dele, poderá obter novo título em juízo, bem como impedir sejam pagos a
outrem capital e rendimentos.
Parágrafo único. O pagamento, feito antes de ter ciência da ação referida neste
artigo, exonera o devedor, salvo se se provar que ele tinha conhecimento do fato.
CAPÍTULO III
Do Título à Ordem
Art. 910. O endosso deve ser lançado pelo endossante no verso ou anverso do
próprio título.
§ 1o Pode o endossante designar o endossatário, e para validade do endosso, dado
no verso do título, é suficiente a simples assinatura do endossante.
§ 2o A transferência por endosso completa-se com a tradição do título.
§ 3o Considera-se não escrito o endosso cancelado, total ou parcialmente.
Art. 911. Considera-se legítimo possuidor o portador do título à ordem com série
regular e ininterrupta de endossos, ainda que o último seja em branco.
Parágrafo único. Aquele que paga o título está obrigado a verificar a regularidade
da série de endossos, mas não a autenticidade das assinaturas.
Art. 912. Considera-se não escrita no endosso qualquer condição a que o subordine
o endossante.
Código Civil Brasileiro 245
Parágrafo único. É nulo o endosso parcial.
Art. 913. O endossatário de endosso em branco pode mudá-lo para endosso em
preto, completando-o com o seu nome ou de terceiro; pode endossar novamente o
título, em branco ou em preto; ou pode transferi-lo sem novo endosso.
Art. 914. Ressalvada cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não
responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título.
§ 1o Assumindo responsabilidade pelo pagamento, o endossante se torna devedor
solidário.
§ 2o Pagando o título, tem o endossante ação de regresso contra os coobrigados
anteriores.
Art. 915. O devedor, além das exceções fundadas nas relações pessoais que tiver
com o portador, só poderá opor a este as exceções relativas à forma do título e ao
seu conteúdo literal, à falsidade da própria assinatura, a defeito de capacidade ou
de representação no momento da subscrição, e à falta de requisito necessário ao
exercício da ação.
Art. 916. As exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes,
somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título,
tiver agido de má-fé.
Art. 917. A cláusula constitutiva de mandato, lançada no endosso, confere ao endossatário
o exercício dos direitos inerentes ao título, salvo restrição expressamente
estatuída.
§ 1o O endossatário de endosso-mandato só pode endossar novamente o título
na qualidade de procurador, com os mesmos poderes que recebeu.
§ 2o Com a morte ou a superveniente incapacidade do endossante, não perde
eficácia o endosso-mandato.
§ 3o Pode o devedor opor ao endossatário de endosso-mandato somente as exceções
que tiver contra o endossante.
Art. 918. A cláusula constitutiva de penhor, lançada no endosso, confere ao endossatário
o exercício dos direitos inerentes ao título.
§ 1o O endossatário de endosso-penhor só pode endossar novamente o título na
qualidade de procurador.
§ 2o Não pode o devedor opor ao endossatário de endosso-penhor as exceções
que tinha contra o endossante, salvo se aquele tiver agido de má-fé.
Art. 919. A aquisição de título à ordem, por meio diverso do endosso, tem efeito
de cessão civil.
Art. 920. O endosso posterior ao vencimento produz os mesmos efeitos do anterior.
246 Código Civil Brasileiro
CAPÍTULO IV
Do Título Nominativo
Art. 921. É título nominativo o emitido em favor de pessoa cujo nome conste no
registro do emitente.
Art. 922. Transfere-se o título nominativo mediante termo, em registro do emitente,
assinado pelo proprietário e pelo adquirente.
Art. 923. O título nominativo também pode ser transferido por endosso que contenha
o nome do endossatário.
§ 1o A transferência mediante endosso só tem eficácia perante o emitente, uma
vez feita a competente averbação em seu registro, podendo o emitente exigir do endossatário
que comprove a autenticidade da assinatura do endossante.
§ 2o O endossatário, legitimado por série regular e ininterrupta de endossos, tem
o direito de obter a averbação no registro do emitente, comprovada a autenticidade
das assinaturas de todos os endossantes.
§ 3o Caso o título original contenha o nome do primitivo proprietário, tem direito
o adquirente a obter do emitente novo título, em seu nome, devendo a emissão do
novo título constar no registro do emitente.
Art. 924. Ressalvada proibição legal, pode o título nominativo ser transformado
em à ordem ou ao portador, a pedido do proprietário e à sua custa.
Art. 925. Fica desonerado de responsabilidade o emitente que de boa-fé fizer a
transferência pelos modos indicados nos artigos antecedentes.
Art. 926. Qualquer negócio ou medida judicial, que tenha por objeto o título, só
produz efeito perante o emitente ou terceiros, uma vez feita a competente averbação
no registro do emitente.